terça-feira, 30 de julho de 2019

Em 1924, Henrique Silva propôs a mudança do nome da cidade de Campo Formoso para ‘Nhuporan’ ou ‘Nhuporangaba’


Henrique José da Silva foi sem dúvidas um dos mais notáveis goianos a viver no final do século XIX e início do século XX. Foi também um daqueles que mais promoveu o Estado de Goiás em nível nacional. Nasceu em 18 de março de 1865 em Bomfim (Silvânia), filho de Francisco José da Silva e Ana Rodrigues de Moraes e Silva, casal pioneiro e influente na histórica cidade do sudeste goiano. Morreu em 21 de maio de 1935, na cidade do Rio de Janeiro, depois de ter sido casado com Augusta Silva e não ter deixado filhos.
Encerrando a vida como major reformado do Exército, fez seus estudos militares na Escola Militar da Praia Vermelha, também no Rio de Janeiro, a mais tradicional do país. Iniciou os estudos em 1883. Antes disso, fôra cadete no Esquadrão de Cavalaria de Goiás em 1882. Como militar, foi elogiado pelo Marechal Floriano Peixoto por bravura em 1892, durante a Revolta da Armada. Também participou da famosa e histórica Comissão Exploradora do Planalto Central, também conhecida como Comissão ou Missão Cruls a partir de 1892 e fez parte de outra Comissão que estudou as fronteiras Brasil – Bolívia em 1898[1]. Em 1912 é transferido para a reserva no posto de major, depois de prestar relevantes ser­viços ao Exército. 
A Comissão Exploradora do Planalto Central[2], composta por 21 pessoas e chefiada pelo astrônomo e geógrafo belga Louis Ferdinand Cruls, demarcou uma área de 14.400 Km², considerada adequada para a futura capital, que ficou conhecida como “Quadrilátero Cruls”. A equipe de Cruls era composta por pesquisadores, geólogos, geógrafos, botânicos, naturalistas, engenheiros e médicos, entre outros, e realizou estudos científicos até então inéditos na região, mapeando aspectos climáticos e topográficos, além de estudar a fauna, a flora, os cursos de rios e o modo de vida dos habitantes. O amplo estudo feito entre 1892 e 1893 e divulgado através de relatório em 1894, é considerado o primeiro EIA-RIMA do Brasil.
Henrique Silva (foto), ao longo da vida, desenvolveu um amplo estudo histórico, antropológico, literário e geográfico de nosso Estado, culminando com a autoria de diversas publicações. Deixou vasta bibliografia: A caça no Brasil Central (1900); Poetas goianos (1901); Fau­na fluviátil de Goiás - Araguaia e Tocantins  (1903); Fauna fluviátil de Goiás - Paranaíba (1906); Indústria pastoril (1907); Esboço bio­gráfico do comendador Francisco José da Silva (1907); Sumé e o des­tino da nação Goiá (1910); Con­tribuição para a geografia zooló­gica do Brasil (1911); As caçadas no Brasil Central (1912); Duas va­riedades novas e eletroforeses do Brasil Central (1915); Pérolas e conchas perlíferas do Araguaia (1915); O pescador brasileiro (1915); A bandeira do Anhanguera em 1726, reconstituindo os roteiros de José Peixoto da Silva Braga e Urbano do Couto. Publicado no livro Memórias Goianas I, do Cen­tro de Cultura Goiana, da Socie­dade Goiana de Cultura (1982); Memórias justificativas dos limi­tes de Goiás com Mato Grosso, Mi­nas, Bahia e Pará (1922); O Folclore no Brasil Central (inédito); Cháca­ras e quintais[3].
Foi também um respeitado jornalista, contribuindo e dirigindo importantes veículos impressos. Colaborou com diversos jornais na antiga capital federal: Jornal do Commercio, Diário de Notícias, O Paiz, etc. Fundador de vários jornais e revistas, entre eles destaca-se A Informação Goyana, revista editada no Rio de Janeiro entre os anos de 1917 e 1935 e que divulgava Goiás e o Brasil Central, tendo como seu principal parceiro, o médico, jornalista e político conterrâneo Antonio Americano do Brasil, mais um notável filho de Bomfim de Goiás.
O episódio que pretendemos tratar parte de uma publicação de Henrique Silva em A Informação Goyana de julho de 1924. Na época, com o advento da primeira fase do Movimento Modernista, que procurava valorizar as expressões nacionais e locais, havia um movimento para que o nome de cidades fosse alterado para expressões indígenas equivalentes ou que fizessem algum sentido para a realidade dessas cidades. Foi com esse movimento que Entre Rios que em 1926 passou a se chamar Ypameri (depois Ipameri), que é uma tradução modificada da expressão "entre rios" em tupi ("Y": rio; "pan" "meri": vão, espaço, entre). Também havia um movimento para que Bela Vista se chamasse Sussuapara, algo que aconteceu provisoriamente com o Decreto-Lei nº 8.305, de 31 de dezembro de 1943, uma vez que o município logo voltou ao nome antigo.
Ao fazer crítica sobre esse movimento, de forma bem humorada[4], o jornalista observa no artigo intitulado “Tupi-Mania?” que “Goiás está numa polvorosa com a mudança de nomes das suas localidades – que pelos modos breves serão todas crismadas com apelidos de origem indígena, a exemplo da capital, que perpetua a tradição da tribo ‘Goiá’”. Henrique cita sobre o que seria a mudança dos nomes de cidades como Campo Formoso (Orizona), Rio Verde, Mestre D’armas (Planaltina), Antas (Anápolis) e Alemão (Palmeiras de Goiás), que na época eram objetos dessa cogitação.
O jornalista foi consultado por carta de um anônimo morador Campo Formoso, vindo a apresentar uma solução linguística para a alteração toponímia, conforme observa:
“De modo que se me afigura satisfatória, até agora só pude resolver o caso de Campo Formoso, a florescente localidade há pouco elevada à categoria de sede de um novo e futuroso município goiano. Se aceitarem o que propus, respondendo ontem a carta que honrara distinto habitante de Campo Formoso, essa localidade denominar-se-á ‘Nhuporan’ ou ‘Nhuporangaba’ – que um e outro desses vocábulos significa a mesma coisa na língua indígena, isto é, Campo Formoso.
Pela decomposição do vocábulo notar-se-á como o formei, sem precisar recorrer a sutilezas de gramáticos: ‘nhu’=campo; ‘porang’ ou ‘porangaba’=formoso. O processo da formação dos nomes em tupi-guarani é esse.
Qualquer daqueles vocábulos, como se vê, dispensa o impertinente ‘y’, letra inútil na língua indígena, e que, da parte dos que a empregam nessa língua, só prova que eles não sabem o que fazem”.
Também vê com bons olhos a iniciativa, apesar de achar inadequada a mudança para alguns municípios:
Para concluir, devo dizer que aplaudo a iniciativa de meus patrícios – mesmo porque estou vendo que ela obedece a uma nova fase na vida goiana; apenas lembrarei, de passagem, a ideia que a coisa se faça de acordo igualmente com a tendência geral para dar-se às localidades nomes de acidentes geográficos ou coisas que fizeram ou fazem mais conhecidas as zonas onde se encontram as mesmas localidades, como por exemplo, no primeiro caso, a denominação Pyrenopolis dada a outrora cidade de Meia Ponte”.
Dessa época em diante, seguiu em Goiás a tendência de mudança nos nomes das cidades e localidades, seja por conveniência das lideranças ou por alguma necessidade latente. O ponto máximo desse processo foi a edição do Decreto-Lei nº 8.305, de 31 de dezembro de 1943, pelo interventor federal Pedro Ludovico Teixeira. Campo Formoso, que não viu seu nome alterado anteriormente, passou a se chamar Orizona (termo de origem latina que significa "região do arroz"), uma sugestão do médico paulista Raphael Leme Franco, prontamente aceita pelo prefeito José da Costa Pereira. Essa alteração, que teve o apoio político de um grupo, deixou chateadas algumas lideranças locais como Benedicto Silva e o padre José Trindade da Fonseca e Silva (Cônego Trindade).
Se não em Goiás, no norte de São Paulo, na região metropolitana de Ribeirão Preto, existe um pequeno município de nome Nuporanga, que tem em sua nomenclatura o mesmo significado que teria Nhuporan ou Nhuporangaba.
O professor aposentado e escritor Olímpio Pereira Neto[5], na segunda edição de “Orizona: Campo e Cidade” (2010), destaca um belo soneto de José Luiz de Campos Curado em que cita o sugestivo nome tupi-guarani,  com o qual concluímos esse texto:

Era o Corumbá, rio caudaloso.
Em cujas margens, sob céu nebuloso,
Ao relento Anhanguera contemplara
Formosa trovoada, ousada e rara.

Avançando aos demais, Índios em tanga.
Gritaram: nhu poranga! nhu poranga!
Que, além da mata, eis campo formoso.
Na senda de uma Correia fervorosa.

No tempo em que depois compadre Jorge,
No braço o argulhão, no ombro o alforje,
Comanda as quatro suas juntas de bois.

Varando a madrugada fria... Ah! Pois,
Em travo de cachaça e murici,
E Deus por nós e cada um por si!

J. L. de Campos Curado
Goiânia, junho de 1987.”

ANSELMO PEREIRA DE LIMA
(E-mail: anselmopereiradelima@gmail.com) 


Referências e Fontes Documentais:

1. ALEGO. “Perfil biográfico de Henrique Silva – Indefinido”. Extraído de https://portal.al.go.leg.br/deputado/perfil/deputado/2048 em 29/07/2019.
2. PONTUAL, Helena Daltro. “Do quadrilátero Cruls ao patrimônio histórico e cultural da humanidade”. Senado Federal: 50 Anos de Brasília. Brasília: Senado Federal. Extraído de  http://www.senado.gov.br/noticias/especiais/brasilia50anos/not02.asp em 29/07/2019.
3. Diário da Manhã. “Henrique Silva e Americano do Brasil, fundadores revista Informação Goyana”. Extraído de https://www.dm.com.br/entretenimento/2018/09/henrique-silva-e-americano-do-brasil-fundadores-revista-informacao-goyana/ em 29/07/2019.
4. A Informação Goyana - Ano VII, Vol 07, - N 12 - p 93 – Jul/1924. Rio de Janeiro/RJ.
5. PEREIRA NETO. Olímpio. Orizona: Campo e Cidade. 2ª. edição revisada e aumentada. Orizona: 2010. 372 p.

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