quarta-feira, 24 de abril de 2019

A Contribuição dada pelo Padre Gomes Pereira da Silva a Campo Formoso

Não sou muito adepto da prática de dar nomes de agentes públicos e personalidades a locais e prédios públicos. Contudo, acredito que é preciso fazer justiça e memória à contribuição de determinadas pessoas ao desenvolvimento local.
Em Orizona, vemos ao longo dos anos aparecerem em placas de inaugurações, nomes de pessoas que não tem propriamente o perfil de ter dado grande contribuição à coletividade municipal. Boa parte das vezes, os nomes que aparecem são de correligionários ou familiares dos administradores ou legisladores municipais, praticamente com o propósito de deixar evidente o nome da família ou a presença deste ou daquele partido político.
Digo isso para dar visibilidade a um quase injustiçado em nosso meio e que os atos e intervenções contribuíram muito para a emancipação local no final do século XIX e início do século XX: o padre Gomes Pereira da Silva.
Padre Gomes, que foi vigário em Santa Cruz e Bomfim (Silvânia), interviu sobremaneira no processo de emancipação política de Campo Formoso (Orizona) e contribuiu para a criação da freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso.
Padre Gomes substituiu em 1890 a figura extremamente relevante de Antonio Luiz Braz Prego no governo espiritual da paróquia de Santa Cruz, sendo mais tarde transferido para Bomfim, ainda assistindo a Santa Cruz, antes que viesse a falecer em abril de 1914.
Era natural de Santana de Campos Ricos (Anápolis) e a sua inteligência e caráter eram destaques, conforme se vê neste fragmento de texto publicado em O Publicador Goyano em setembro de 1885 [1]:
“Esteve entre nós durante o mês de agosto p. p. o Reverendo Padre Gomes Pereira da Silva, lente do Seminário Episcopal desta Província, que veio aproveitar as férias no meio de seus parentes e amigos. Os poucos dias que aqui esteve foram suficientes para nos dar a conhecer nele o protótipo de verdadeiro sacerdote, cheio de virtudes e inteligência cultivada; não podia deixar de captar as simpatias de todos que tiveram a virtude de o tratar; retirando-se nos deixou a todos saudosos.
Campos Ricos, 02 de setembro de 1885”.
Gomes fez seus estudos iniciais no Liceu de Goiás, conforme consta em frequência de 1867[2]. No ano de 1873, o jovem realizou exames do Seminário Episcopal Santa Cruz, sendo aprovado plenamente em Francês. Também consta que fez exames de suficiência em Latim[3].
A sua fluência era tão significativa em Francês, que se tornou, mesmo sendo seminarista, professor da disciplina. Um relatório de 1875, consta que ministrava aulas para 47 alunos[4]. É bom destacar que não apenas os jovens com vocação religiosa se matriculavam no Seminário, mas os jovens de famílias abastadas também tinham a possibilidade de fazê-lo, uma fez que se tornou uma instituição muito conceituada em Goiás.
No final do ano letivo de 1875, temos um relatório em que apresenta o desempenho de Gomes no Seminário Santa Cruz. Consta que foi aprovado plenamente em Filosofia, Retórica, História Universal, Física e Latim. Também foi aprovado em Geografia Física e Política, Astronomia, Aritmética, Gramática, Francês e Catecismo[5]. No início de janeiro de 1876, o jovem seminarista participou de solenidade de aniversário do Seminário Episcopal.
Na ocasião foram premiados os estudantes com melhor desempenho. Gomes era brilhante, só não conseguiria superar seu colega João Teixeira Alvarez (pai do interventor Pedro Ludovico Teixeira), um dos homens mais impressionantes a pisar em solo goiano. Gomes foi naquele dia premiado na disciplina de Geometria do Espaço e teve oportunidade de fazer discurso, em nome dos colegas, em agradecimento ao bispo diocesano, ao padre reitor e aos professores[6].
Por algum motivo que não é de nosso conhecimento, Gomes Pereira da Silva deixou o Seminário em 1877 e retornou para Santana das Antas (Anápolis), onde assumiu como professor da escola pública da freguesia, na época, município de Meia-Ponte (Pirenópolis). Lá, foi professor interino de 08 de agosto de 1877 a 31 de maio de 1878, quando abandonou a função e foi ministrar as disciplinas de Aritmética e Francês no Colégio Senhor do Bomfim, em Entre Rios (Ipameri)[7]. Gomes retornaria ao Seminário Episcopal nos primeiros anos da década de 1880, quando concluiu a sua formação.
Além do trabalho eclesiástico, em Santa Cruz exerceu o serviço público como coletor (1890). Também foi nomeado membro do Conselho de Intendência de Santa Cruz em 1891 [8]. Politicamente, militava na época pelo Partido Republicano Federal.
Quando padre Gomes chegou a Santa Cruz, o arraial dos Corrêas se desenvolvia a pleno vapor e contava com o empenho de importantes lideranças locais. O próprio padre Prego colaborou muito para o desenvolvimento da região, uma vez que contava com uma comunidade católica muito engajada. Essa postura dos moradores também contribuiu para o seu fortalecimento político.
Segundo entende-se pelas anotações dos padres Ramiro de Campos Meireles e José Trindade da Fonseca e Silva (Cônego Trindade) nos livros de Tombo nº 1 e 2 da Paróquia Nossa Senhora da Piedade, a atuação de padre Gomes contribuiu para que os Corrêas fossem elevados a distrito de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso. Ainda de acordo com essas anotações, Gomes defendeu que se adotasse “Campo Formoso”, nome já usual pelos moradores de Santa Cruz e região.
De acordo com os estudos do professor Olímpio Pereira Neto [9], na última década do século XIX, durante o ministério do padre Gomes, a paróquia de Santa Cruz recebeu entre outras, missões dos frades dominicanos Gil Vila Nova, Joaquim Mastelam, Ângelo e Manuel Maria.
O professor Luiz Ferraz, importante cronista de Campo Formoso na época, registra em texto de julho de 1891, ao jornal Estado de Goyaz [10], que padre Gomes Pereira da Silva era incansável no trato com seus compromissos.
Ao se referir aos festejos de Nossa Senhora da Piedade e Divino Espírito Santo, realizados entre os dias 25 e 26 de julho daquele ano, elogiava a animação do evento, que contava com grande presença da comunidade adjacente à Capela dos Corrêas e dos esforços dos festeiros. Sobre padre Gomes, observa que o mesmo esteve em todos os momentos do festejo, demonstrando robustez, zelo, além de uma exuberante oratória nas suas homilias.
Sobre a elevação de Campo Formoso à Vila, através da lei nº 272, de 12 de julho de 1906, não temos certeza sobre a contribuição de padre Gomes no processo político. Contudo, sabemos do seu papel desempenhado para a criação da paróquia de Nossa Senhora da Piedade. Atuou junto ao bispo da Arquidiocese de Goiás, D. Prudêncio Gomes da Silva, até que fosse viabilizada a criação da freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso, através de decreto diocesano datado de 1º de julho de 1912.
O primeiro vigário da paróquia foi Pe. Julião Calzada [11]. A instalação da freguesia contou com a presença dos padres Julião e Gomes, e aconteceu através de celebração realizada em 31 de agosto de 1912 e presidida por padre Gomes, que leu o decreto e fez pronúncia alusiva ao ato.
Outra contribuição de padre Gomes se deu em 1913, quando os ânimos estavam acirrados entre Campo Formoso e Santa Luzia (Luziânia), por questões da disputa do território entre os rios Corumbá e Piracanjuba. Quando em janeiro daquele ano os embates chegaram à jurisdição das duas paróquias, Pe. Gomes, que estava em Bomfim, foi acionado e pode mediar o conflito no âmbito da Igreja.
Portanto, Pe. Gomes Pereira da Silva deu sua importante contribuição na consolidação de Campo Formoso enquanto município e paróquia. Os fatos citados são os de que temos conhecimento, sem levar em conta outros importantes acontecimentos e que caíram no esquecimento. Sem dúvidas, se legado será permanente em Orizona.

ANSELMO PEREIRA DE LIMA
(E-mail: anselmopereiradelima@gmail.com) 

Referências, Fontes Documentais e Notas:

1. Ver: O Publicador Goyano. Ano I, N. 30. Goiás/GO, 19 de setembro de 1885.
2. Ver: Correio Official de Goyaz. N. 202. P. 04. Goiás/GO, 12 de novembro de 1867.
3. Ver: Correio Official de Goyaz. N. 01. P. 04. Goiás/GO, 10 de janeiro de 1874.
4. Ver: Correio Official de Goyaz. N. 50. P. 01. Goiás/GO, 17 de julho de 1875.
5. Ver: Correio Official de Goyaz. N. 97. P. 02 e 03. Goiás/GO, 31 de dezembro de 1875.
6. Ver: Correio Official de Goyaz. N. 03. P. 02 e 03. Goiás/GO, 15 de janeiro de 1876.
7. Ver: Correio Official de Goyaz. N. 54. P. 01. Goiás/GO, 17 de agosto de 1878.
8. Ver: O Estado de Goyaz: Orgam do Partido Republicano Federal. Ano I, N. 04. Goiás/GO, 27 de junho de 1891.
9. PEREIRA NETO, Olímpio. Orizona: Campo e Cidade. Ed. Revista e aumentada. Orizona, 2010. 372 p.
10. Ver: O Estado de Goyaz: Orgam do Partido Republicano Federal. Ano I, N. 11. Goiás/GO, 13 de agosto de 1891.
11. Padre Julião Calzada veio da Espanha com toda sua família, fixando residência definitiva em Santa Cruz. Nasceu em 17 de fevereiro de 1873 e faleceu em 17 de abril de 1926, com 53 anos de idade. Foi sepultado junto ao altar-mor da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Santa Cruz. Governou a paróquia de Campo Formoso de agosto de 1912 a março de 1914. In: ALVES, Joaquim Rodrigues. Santa Cruz de Goiás: Sinopse Histórica. Goiânia: Emater-GO, 1983.