quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Enchente provocou grandes danos em Orizona em 1957 e outras histórias mais

Apesar da negação recorrente daqueles que não acreditam em aquecimento global, se tivermos a capacidade de observar com atenção os fenômenos ao longo do tempo, fica evidente que as mudanças climáticas são reais.
Apesar de os fenômenos atmosféricos não poderem ser precisamente medidos no passado, como se faz nos dias atuais, as pessoas com mais idade, com capacidade de observação e comparação podiam fazer projeções do que aconteceria nos próximos dias, estações do ano e até anos seguintes.
Em cada região, conhecemos histórias de pessoas e grupos que fizeram ou fazem esse trabalho, como os profetas da chuva, que buscam fazer previsões inclusive levando em conta as mudanças climáticas.
Se a setenta anos era possível prever uma chuva de 100 anos (a maior), de 50, de 20, de 10, ou a tradicional “enchente de São José”, no final do Verão, que as pessoas mais experientes faziam com certa credibilidade e o tempo de retorno de chuvas, enchentes, secas, etc., e era confiável. Hoje podemos confiar cada vez menos na eficiência das previsões. Uma precipitação de 683 mm no sábado de Carnaval de 2023 em São Sebastião-SP seria improvável mesmo para os equipamentos mais sofisticados de previsão.
Uma criança ou adolescente não conseguiria atuar como profeta do clima e fazer comparações empíricas através de fenômenos naturais ao longo de sua vida, como faz um ancião da Caatinga, Cerrado ou Pampa, pois não possui parâmetros de tempo suficientes para comparação.
E o próprio comportamento da natureza é suficiente para indicar os riscos da seca e da fome. O genial Graciliano Ramos, em “Vidas Secas” (1938), retrata o medo de Fabiano e principalmente de Sinhá Vitória com a chegada das aves de arribação (aves que deslocam em grandes grupos geralmente em busca de alimento).
Vinham em bandos, arranchavam-se nas árvores da beira do rio, descansavam, bebiam e, como em redor não havia comida, seguiam viagem para o sul. O casal agoniado sonhava desgraças. O sol chupava os poços, e aquelas excomungadas levavam o resto da água, queriam matar o gado.
Sinha Vitória falou assim, mas Fabiano resmungou, franziu a testa, achando a frase extravagante. Aves matarem bois e cabras, que lembrança! Olhou a mulher, desconfiado, julgou que ela estivesse tresvariando. Foi sentar-se no banco do copiar, examinou o céu limpo, cheio de claridades de mau agouro, que a sombra das arribações cortava. Um bicho de penas matar o gado! Provavelmente Sinha Vitória não estava regulando.
As arribações bebiam a água. Bem. O gado curtia sede e morria. Muito bem. As arribações matavam o gado. Estava certo...Talvez a seca não viesse, talvez chovesse. Aqueles malditos bichos é que lhe faziam medo. Procurou esquecê-los. Mas como poderia esquecê-los se estavam ali, voando-lhe em torno da cabeça, agitando-se na lama, empoleirados nos galhos, espalhados no chão, mortos? Se não fossem eles, a seca não existiria. Pelo menos não existiria naquele momento: viria depois, seria mais curta.
Nas décadas de 1970 a 1990, que alguns ecossistemas quase vieram abaixo, principalmente por causa das carvoarias no Cerrado e da colonização da Amazônia, sem esquecer é claro, dos efeitos dos combustíveis não-renováveis mundo afora (o maior mal), começamos a ouvir pelo rádio e TV as explicações sobre ‘El Niño’ e ‘La Niña’ e aquilo me trazia preocupações.
Na década de 1990, diziam que o El Niño (o menino) vinha de sete em sete anos para encontrar com La Niña (a menina). Ambos são fenômenos atmosféricos que impactam de forma significativa nas condições climáticas. El Niño é o aumento das temperaturas do oceano Pacífico em sua porção equatorial. La Niña, pelo contrário, é a redução da temperatura dessas águas.
O El Niño provoca severas secas no Nordeste, Norte e Centro-Oeste. As secas do Sul são intensas no período da La Niña. Enquanto mais ao norte do país, a La Niña favorece as chuvas, no Sul quem proporciona maiores precipitações é o El Niño. No Rio Grande do Sul, Uruguai e nordeste da Argentina, a primeira trouxe a seca nos últimos quatro anos.
Se a história de sete anos na repetição é bíblico, que em um ano tem seca e em outro abundância, com muita chuva, o que vemos ultimamente é o período seco e a sua frequência aumentar no Cerrado goiano de seis para oito meses e as ‘Águas’ serem reduzidas a aproximadamente quatro meses (algo sem retorno).
Porém, não bastando as mudanças na biosfera, vem o aspecto social e político, nunca solucionado e que sempre funcionou como moeda de troca no Brasil. Os casos mais letais são dos milhões que morreram no Nordeste Brasileiro pela seca ao longo dos tempos. A Grande Seca de 1877-1879 matou cerca de 500 mil pessoas e foi narrada em “Os Retirantes” (1879) por José do Patrocínio; e “A Fome” (1890), romance de Rodolfo Teófilo. A seca de 1915, especialmente no Ceará, ficou famosa graças ao “O Quinze” (1930), romance regionalista de Raquel de Queiroz. E no Semi-árido aconteceu também a de 1932, para mais um exemplo. Em todos esses casos, é assustador ver os presidentes e governadores do Ceará comemorando em seus relatórios de gestão o sucesso dos campos de concentração, para onde eram levados os famintos e indigentes da seca.
Mas aconteceram secas mais abrangentes e que atingiram a maior parte do país, como a de 1934-1936. Por outro lado, também importantes ondas de frio no Centro Sul e parte do Norte do país. Se 2022 tivemos alguns dias frios e pontuais, nada pode ser comparado a 1985. Segundo o senhor Jovando Vieira Machado, da região da Firmeza, em Orizona, a geada no Inverno tomava conta de todas as chapadas do interior de Orizona e, posteriormente, toda a vegetação do Cerrado era queimada, pela ação do aumento do volume do gelo nos estômatos, os poros existentes nas folhas das plantas, causando posterior falta de alimentos para os animais.
Períodos de chuvas intensas e mais distribuídas eram comuns. Com isso, córregos e rios eram mais caudalosos. Um caso marcante podemos registrar é do Corumbá. Na época da colonização das bandeiras paulistas, a partir do século XVII, os viajantes impressionavam com o volume do rio. Com o passar dos séculos, foi reduzindo a vazão e hoje, com as usinas hidrelétricas e o desmatamento e assoreamento, nada pode ser comparado com aquele período.
Com o passar dos tempos, as ocorrências climáticas tornam-se tragédias por conta da ocupação humana, ocupação na maioria das vezes irregular. É o caso das enchentes em Caraguatatuba, em março de 1967, onde foram registradas 436 mortes, e na serra fluminense em janeiro de 2011, que causou a morte de 918 pessoas. Em 2023, várias enchentes pontuais provocam fatos calamitosos em regiões pontuais de Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás, Bahia e Pernambuco, além de outros. Sem planejamento urbano e com predomínio de cinturões de pobreza nessas áreas, o problema fica recorrente e todo ano temos que fazer a contagem de corpos, presenciar a quebra de barreiras e o soterramento de casas.
Outro exemplo de grandes chuvas, semelhantes a esse verão, foi em 1957, mas com proporções bem maiores. Na época, a situação ficou muito grave no espaço territorial entre Ipameri e Vianópolis. No Jornal de Notícias, de Goiânia, foi publicada uma matéria intitulada “Urgentes Reivindicações de Cristianópolis e Orizona Pleiteadas por Joviano Rincon” na edição 174, página 6, de julho/1957.
O jornal falava da situação de calamidade pública, destruindo inúmeras partes e barragens, prejudicando não só a comunicação, mas afetando as rotinas das pessoas. O deputado Joviano, como representante da região intercedeu na Assembleia Legislativa em defesa dos interesses dos municípios. Para isso, a Assembleia Legislativa concedeu emendas de Cr$ 300.000,00 para Cristianópolis (reconstrução da barragem da empresa Força e Luz) e Cr$ 150.000,00 (reconstrução das pontes dos Marcelos, Montes Claros e de Pedra no rio Piracanjuba).
No início da década de 1980 (1982-1983), uma tempestade marcante provocou grandes destruições na cidade de Orizona. A rodoviária, recém-inaugurada, teve a sua estrutura danificada. Outro caso grave foi em janeiro de 2005, quando no primeiro mês de mandato do prefeito Itamar Dias Teixeira, uma verdadeira tromba d'água provocou muitos estragos nas margens do ribeirão Santa Bárbara, provocando destruição em casas de moradia, clubes, empreendimentos e pontes.
Quando o assunto é meio ambiente, quase ninguém se responsabiliza. Se eu for entrevistar um prefeito goiano da época das carvoarias, irá defender com veemência que aquilo que aconteceu foi grandioso para o desenvolvimento local e regional. Se falar com um médio produtor de soja, dirá que não é responsável pelos problemas ambientais, pois a terra já tinha sido explorada antes. Um pequeno ou médio produtor de leite dirá que a sua atividade quase não possui impactos ambientais. Um morador da cidade, que sai diariamente para o trabalho queimando combustíveis fósseis, também terá dificuldade de aceitar a sua condição e talvez acuse a indústria, o agronegócio e a mineração pelo grande problema do milênio.
Terá inclusive aqueles que sequer acreditarão que enfrentamos problemas ambientais sérios e aquecimento global e mudanças climáticas. Enquanto ninguém se comprometer, nada poderá ser feito e as tentativas de contenção dos problemas, já tardias, serão nulas.

ANSELMO PEREIRA DE LIMA

Alterado em 22/02/2023 às 08:57h.

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