quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Orizona no conturbado período da Primeira República (1889-1930)

Em 15 de novembro de 1889 foi dado um golpe de Estado, em que o Império foi substituído pela República, construída no Brasil com bases positivistas, mas ainda vinculadas ao escravismo. A queda deste último foi o principal responsável pela deposição de D. Pedro II.
O período entre 1889 e 1930 foi um difícil e conturbado tempo de transição política, em que a República precisava, aos olhos de seus defensores, se consolidar. Foi, portanto, um rio de corredeiras, cercado por duas margens golpistas (em 1930 foi o golpe de Getúlio Vargas). Essa época ficou conhecida como República Velha, Primeira República ou República “Café com Leite”.
Para sustentar a República, os governantes utilizavam da força das lideranças locais para ganhar votos em troca de favores. Essas lideranças eram os coronéis, grandes proprietários de terra, cercados de agregados e de pessoas que lhes deviam favores. Foi um período de muita corrupção, compra de votos, ameaças, atos truculentos e conflitos entre grupos opostos. Campo Formoso (Orizona) surgiu formalmente nesta realidade onde se consolidava o coronelismo.
Primeiramente se tornou distrito de paz e policial de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso em 1891, na aurora da República. Em 1906, veio a ser vila e em 1909, elevada a cidade. Em todas essas ações, desde a segunda metade do século XVIII, dominou-se o papel dos grandes fazendeiros e da Igreja Católica, que em momentos agiram de forma favorável e em outros, prejudicaram o desenvolvimento local.
Campo Formoso ou Correas começou a emergir por volta de 1850, na ocasião em que surgia a Lei de Terras, que dava ao pároco ainda mais poderes, pois era aquele que fazia papel de juiz ou tabelião, tomando nota e fazendo os registros de declarações dos proprietários rurais, de suas posses territoriais. Contudo, essa lei dava àqueles a possibilidade de ampliar o poder, declarando sobre aquilo que de fato não possuíam. Isso fez com que os proprietários, já poderosos, tornassem ainda mais influentes. Era uma época de muito atraso e isolamento. Parecia que a paisagem trágica do Cerrado havia abraçado os viventes e os transformado em partes dela. Se na capital da Província o isolamento e o atraso eram terríveis, imaginem ali.
Entre os anos de 1856 e 1890, o vigário Antonio Luis Bras Prego foi o responsável pela grande freguesia de Santa Cruz. Além de sua atuação pastoral, também exerceu cargos políticos na vila e possivelmente foi a pessoa que mais tinha influência na região. Foi sucedido por Gomes Pereira da Silva, que seguiu o mesmo caminho e teve papel importante, ao lado dos comerciantes e agropecuaristas mais influentes, no processo de emancipação política de Campo Formoso, na instalação do Conselho de Intendência e na elevação a freguesia (paróquia) de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso em 1912.
Os principais coronéis da época foram em maioria, vindo das famílias tradicionais: o mais influente e poderoso foi José da Costa Pereira Sobrinho (Cel. José da Costa), falecido em 1913, passando o “bastão” para seu filho José da Costa Pereira (Zequinha), que acumulou muitas forças políticas nas décadas seguintes. Se o pai foi o primeiro intendente de Campo Formoso, o filho foi prefeito e senador da República.
Seu rival era o Coronel Zacarias Gonçalves Caixeta, que tinha a sua sede na fazenda Boa Vista, onde posteriormente surgiu o povoado da Beira, e desejava a mesma ascensão. Dizia a lenda que Zacarias “mandava e não perdia”. Em seu desfavor estava o fato que José da Costa tinha as suas terras ao redor da cidade e ele, entre o Corumbá e o Piracanjuba. Assim, tinha menos força junto a seus pares mais influentes do que Costa e estava mais distante.
Com grande poderio, nasceu e viveu na região da Firmeza, filho do Cap. Joaquim Fernandes de Castro e Maria Rosa do Carmo, Jeremias Fernandes de Castro foi grande proprietário de terras em muitas regiões e com muita força política no início do século XX: foi intendente e membro do Conselho de Intendência, juiz municipal e fabriqueiro da paróquia. Seus irmãos José e Modesto, principalmente, também tinham grande ascensão na época.
Seu sobrinho e afilhado Rodolpho Fernandes de Castro, filho de José Fernandes de Castro e Maria Silvéria de Castro, foi seu herdeiro político e econômico. Sua sede ficava na fazenda Retiro, na Mata da Firmeza, mas era proprietário de outras mais. Atuou politicamente, sendo vereador, membro do conselho de Intendência e prefeito de Orizona.
No período da Primeira República, as disputas entre o grupo Caiadista e Bulhonista e a conduta das lideranças locais fez com que a ferrovia fosse desviada por 12 quilômetros do perímetro de Campo Formoso. Os trilhos chegaram em Ubatã em 1923 e a cidade não colheu os esperados frutos do desenvolvimento.
De forma semelhante e até mais grave, Santa Cruz viu os trilhos sendo desviados e foi quem pagou mais caro. As cidades ‘banhadas’ pelos trilhos, por outro lado, viu a pujança chegar e permanecer por décadas. Campo Formoso não: se o crescimento econômico antes não era grande coisa, depois muito menos. Ubatã também não se aproveitou disso. Foi um dos únicos povoamentos da região que não se desenvolveu. Seria mais uma para a conta dos coronéis e da Igreja? Não sei. Até tentaram transformar o povoado em sede do município, mas isso não surtiu efeito, também por questões de disputas políticas.
Alguns defendem ainda hoje que o desvio da ferrovia para longe de Campo Formoso ocorreu por necessidade e que estava previsto no projeto de engenharia. Mesmo que isso fosse verdade, era preciso a ação contundente das lideranças locais, da mesma forma que assim fizeram em outros momentos históricos. Foram decisões que impactaram em um século (por enquanto) o futuro de Orizona. Apesar de fatos como esse, os chamados coronéis em muito contribuíram para a região, mas o papel de donatários municipais por alguns políticos, mesmo hoje, em outros tempos, faz com que quem concentra o poder veja a prejudicar toda uma comunidade.
Para encerrar, sugiro a leitura da dissertação “ A Invenção de Uma Cidade à Margem da Modernidade, 1889 –1930”(2016), do pesquisador Jennydavison Ribeiro Santos Batista. O trabalho historiográfico apresentados a Universidade Federal de Uberlândia é um dos melhores a respeito de Orizona. Está disponível na internet.

ANSELMO PEREIRA DE LIMA

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