segunda-feira, 21 de novembro de 2022

A minha relação e não-relação com o Cigarro

Na minha infância e primeira adolescência, em muito pouco convivi com pessoas fumantes. Vivendo na comunidade Estiva de Cima, vinculada à sede do povoado de Firmeza, em Orizona, não convivia com pessoas que tinham esse hábito, uma vez que o tabagismo era muito combatido naquela comunidade católica, organizada através de um núcleo das CEBs – Comunidades Eclesiais de Base.
Naquela época, não existia nenhum fumante ali e apenas um dos viventes fumara na juventude, mas também tinha deixada o hábito e não cheguei a viver esse período. As poucas vezes com convivi com fumantes foi nas visitas a meu avô materno, que era adepto do cigarro, e na pouca convivência de alguns tios, mas que não me afetava. Também estava sujeito na convivência na escola secundária, nos jogos de futebol que ia sempre, nas saídas para outros povoados e para a cidade (eu não saia muito). Com o tempo e após conhecer os lugares, concluí que a média de fumantes em Orizona é inferior a outros lugares pelo qual passei, talvez pela consciência da população, adquirida através das CEBs, igrejas cristãs em geral e organizações civis, que realizaram campanhas ao longo dos anos com um propósito educativo.
Depois de concluir o Ensino Médio e Técnico em Agropecuária, fui viver em Urutai e fiquei mais exposto, pois eram muitos os colegas que apreciavam aquela droga lícita, mas posso dizer que nunca fui um fumante passivo em toda a minha vida, uma vez que era só sentir a fumaça do cigarro e logo saía de perto, pois me incomodava muito.
A partir do final de julho de 2018, por problemas pulmonares, fui percebendo que tinha alguma doença pulmonar crônica. Em todas as consultas e exames que fui, quando o/a profissional de saúde me atendia pela primeira vez, era (e é) feita sempre a mesma pergunta:
- Você é fumante? Vive com alguém que fuma?
Outras perguntas, pelo diagnóstico de Pneumonite de Hipersensibilidade, também aconteciam algumas: se eu trabalhava em mina de carvão; se eu trabalhava em olaria; se tinha contato com mofo; se em minha casa tinha pássaros como pombos e calopsitas. Tirando o mofo que é difícil de controlar, todas as hipóteses eram descartadas, mas os questionamentos sobre o tabagismo eram inevitáveis.
Não entendo, mesmo sabendo os motivos, que o cigarro comum seja considerado uma droga lícita. São diversas as substâncias tóxicas presentes, que se fossem isoladas e consumidas em maior quantidade, seriam letais em uma única vez de consumo. Portanto, a morte é parcelada em ‘doses homeopáticas’ e provavelmente a vida dos usuários será abreviada por doenças pulmonares, cardiovasculares ou por alguma espécie de câncer.
Se não convivi com tabagistas até a minha adolescência, isso passou a ser comum na vida adulta. Obviamente que para quem vive em qualquer cidade, essa convivência é inevitável, mas passei a viver ao lado de vítimas do produto: em minha família, vi meu avô vir definhando a ter a sua vida tomada pelas consequências do consumo, apesar de ainda poder experimentar uma vida longa. Na família de minha esposa, também convivi com usuários.
Relatei tudo isso para comentar sobre o impressionante consumo do cigarro de nicotina que é possível observar em Porto Alegre, principalmente entre pessoas com idade abaixo de quarenta anos. E é um consumo generalizado, em classes sociais diferentes, entre as mais diferentes correntes ideológicas e níveis de instrução. No século XXI, começou-se a retomar as práticas incentivas pelo cinema nos anos de 1940.
Hoje, além do cigarro comum, temos os cigarros eletrônicos, narguilés e outros, inclusive drogas ilícitas, que tem em comum, além de proporcionar a dependência química, o risco iminente de doenças graves e de mortes, tanto entre consumidores, quanto em pequenos agricultores que cultivam o tabaco para sobrevivência e enfrentam sérias doenças por conta da atividade, muito comum no Sul do Brasil. Os dados oficiais indicam uma redução significativa no consumo desde 2006 a 2021, quando caiu de 15,7 para 9,1% dos brasileiros em idade adulta, sendo que o público masculino é o maior consumidor (Vitegel Brasil). Em 2015, foram gastos no Brasil, aproximadamente 26,3 bilhões de reais no tratamento de doenças pulmonares e cardiovasculares relacionadas direta ou indiretamente ao consumo de cigarro.
Para quem luta pela sobrevivência diariamente e vê tantas pessoas tentando se manter vivas frente a doenças pulmonares, corre-se o risco de ser preconceituoso às vítimas do vício, mas é um exercício que tenho feito no sentido de evitar julgar os fumantes. Mas nem todos tem a mesma ‘paciência’ que eu. Na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, muitos pacientes, acompanhantes e funcionários (inclusive da pneumologia e transplante pulmonar), deixam os hospitais para fumarem nas praças. Um dia desses, enquanto fazia a reabilitação pulmonar, a fisioterapeuta, olhando pelas enormes vidraças da sala, me disse:
- Está vendo o quanto as pessoas fumam aqui? Logo estarão aqui dentro procurando socorro, lutando pra não morrer!
O cirurgião torácico José de Jesus Peixoto Camargo, o primeiro a realizar transplante pulmonar na América Latina, em 16 de maio de 1989, o fez com um jovem agricultor de Santa Catarina, que tinha na época, 27 anos de idade, e conta que era fumante e sofria com um enfisema pulmonar. A cirurgia foi um sucesso, mas depois de algum tempo, o mesmo voltou a fumar e não sobreviveu, mesmo com um pulmão novo.
Vejo nessa realidade, a necessidade dos poderes públicos e da sociedade civil é fundamental. Conforme o Instituto Nacional do Câncer (INCA), “A prevalência de tabagismo é o resultado da iniciação (novos usuários de tabaco) e da interrupção do consumo (por cessação do tabagismo ou morte). A identificação dos fatores determinantes da iniciação e da cessação do tabagismo é, portanto, fundamental para o planejamento de ações específicas para o controle do tabaco”.
O Ministério da Saúde e as secretarias estaduais e municipais, podem ser munidos de infraestrutura, equipamentos e o país possui várias instituições de pesquisa para enfrentamento deste problema. O que falta é orçamentos suficientes nos entes federados e ações direcionadas nesta área. Infelizmente, o tabagismo enriquece empresas, contrabandistas e favorece a um perigoso mercado mundial, que vive de lobbie para se manter.

ANSELMO PEREIRA DE LIMA
(E-mail: anselmopereiradelima@gmail.com)

Imagem: Ultraspecialisti.

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