segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Dr. Raphael Leme Franco: “A verdadeira política”



O médico paulista Dr. Raphael Leme Franco, que tem a grafia de seu nome insistentemente escrita de forma equivocada por cidadãos e pelo poder público municipal[1], teve uma vida toda de militância em Campo Formoso/ Orizona. Nascido em 07 de setembro de 1895 em Leme - SP, veio para cá e não retornou. Aqui faleceu em 28 de setembro de 1977. Foram mais de 50 anos de exercício da medicina de família e praticando algumas das suas paixões, como a música, a poesia, a filosofia e o estudo da língua portuguesa (era considerado um excelente filólogo). 
Também é atribuído a Dr. Raphael a sugestão em concurso do nome “Orizona” para o município de Campo Formoso. A mudança veio em 1943, na gestão do prefeito José da Costa Pereira (Zequinha). A mudança suscitou muitos debates e críticas. Enquanto Dr. Raphael usava o jornal O Popular e Zequinha a revista Oeste para responder aos opositores à indicação, Benedicto Silva e Cônego Trindade eram muito críticos à mudança. 
Como poeta, Raphael assinava seus escritos como “El Franco”. Escreveu para diversos veículos da região, como Lavoura e Commercio (Uberaba), Araguary, O Ipamery e O Anápolis. Também é patrono da cadeira n. 03 da Academia de Letras, Ciências e Artes de Campo Formoso[2]
A seguir, disponibilizaremos texto de sua autoria intitulado “A verdadeira política”, publicado na edição de 23 de janeiro de 1934[3] no Lavoura e Commercio. O texto é por sinal muito oportuno para o momento atual.


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A verdadeira política

“JUSTUS ET TENACEM” – Horácio
(Especial para o ‘Lavoura’, pelo dr. Raphael Leme Franco)

Política, do grego politiké (que vem de polítes, cidadão), é a ciência do governo dos povos, das nações.
A sua elevada etimologia, a sua excelsa origem (polites, cidadão), mostram claramente a sua alta finalidade, o seu nobre desideratum.
Isso não significa que não haja maus cidadãos. Tanto pior para eles.
Política, em suma, e categoricamente falando, é o governo de povos dignos, exercido por dignos cidadãos.
E nunca devêramos pronunciar ou ouvir, em sentido dúbio, essa palavra tão variável que parece um camaleão de linguagem...
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 Não entendo, aliás, que democracia seja demagogia, nem que o indecoro de linguagem seja liberdade de imprensa, nem acharia absurdo que houvesse uma ditadura de inteligência, da verdadeira inteligência e probidade, o que não seria senão um serviço ao bom senso geral, realizando-se, por via diversa, a democracia...
O que importaria, no caso, seria o fim nobre, o fim superior, a cavaleiro de faciosismos estéreis e apetites mesquinhos.
Mas a ruindade da vida consiste essencialmente em nunca se achar o tal ideal...
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Reverso da medalha: em nome da política, entidade respeitável, é sua sombra, sob seus auspícios, tem-se cometido e vai-se cometendo uma enfiada de abusos, numa incrível inversão de valores, numa acintosa postergação de direitos, num apego mórbido a processos retrógrados, num despeitado empenho da favorecer a arborescência de fátuos prestígios...
Porque, política não é, - com a prevalência de cargos, - descurar deveres, comprimir consciências, espezinhar o que é justo...
Porque´, política não é dar asas aos maus instintos, em detrimento da ordem social...
Porque, política não é beijar as plantas dos potentados, suplicando-lhes mesquinhos penachos, sob repúdio do consenso popular...
Porque, política não é preparar terreno maléfico, e ficar depois de palanque, aguardando deflagrar de tragédias...
Porque, política não é a falsa reconciliação ou a falsa admiração, sacrificando e manejando pretensos amigos, e querendo sub-repticiamente consumir altivos adversários...
Porque, política não é pegar eleitor pela gola, impingindo-lhe cédulas, e obriga-lo a votar com beltrano ou sicrano...
Porque, política não é, em troca de voto, prometer empregos ou vantagens menos lícitas, como se o cumprimento de um dever cívico estivesse sujeito a tais contingências...
Porque, política não é dizer a eleitores bisonhos, mistificando os fatos, que votar, com X ou com Z, é votar contra o governo, como se um digno governo devesse ser contrário à liberdade de voto...
Porque, política não é perturbar eleições ou tentar fazê-lo...
Porque, política não é desejar a anulação de eleições, sem justo motivo, esperando com isto tábuas de salvação...
Porque, política não é, à custa de intrigas e calúnias, depreciar os méritos alheios, e fantasiar culpas de outrem... cavando destarte baixos proventos...
Porque, política vem de polítes (cidadão), e sendo verdadeira, com se subentende, exprime civilidade e polidez... e não aponta cidadãos que estão de cima ou de baixo... mas cidadãos que servem ou que traem o seu povo, o seu Estado, a sua pátria e o verdadeiro progresso humano.
Justum et tenacem”... Também, justa e tenaz, deve ser a verdadeira política.

Campo Formoso, 15/01/1934.
 
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ANSELMO PEREIRA DE LIMA
(E-mail: anselmopereiradelima@gmail.com) 


Notas e Fontes Documentais:

1. É possível, pelas placas de sinalização e das residências dispostas na Avenida Rafael Leme Franco, perceber facilmente o uso da grafia ‘Lemes’ ou mesmo ‘Lemos’, mas não encontramos nenhuma com a grafia ‘Leme’. Quanto a substituição de ‘Raphael’, por ‘Rafael’, é plenamente aceitável, pelas alterações na Língua Portuguesa ao longo das várias reformas e acordos ortográficos.
2. Parte de seu acervo pessoal se encontra na biblioteca municipal Maurity Silva, localizada no Antigo Fórum de Orizona.
3. Ver FRANCO, Raphael Leme. A verdadeira política. In: Lavoura e Commercio. Uberaba. Ano XXXV. N. 6006, pág. 1, 23/01/1934.                                                                                                            

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