segunda-feira, 23 de julho de 2012

Capítulo XV: Marrequinho, Funcionário do Bazar Paulistinha

Até o ano de 1963 vivi de maneira despreocupada. Quase que de forma irresponsável. 23 anos de idade, bem apessoado, muita energia e um idealismo inabalável. Mas, comecei a perceber que só a fama de bom cantador e a de ajuntador de versos não supririam as necessidades que a vida nos impõe. Vivendo apenas dos Direitos Autorais, que recebia de vez em quando, a vaca tava indo pro brejo. 
Então, resolvi fazer o que muitos dos companheiros de viola já haviam feito: Arranjar um emprego com o qual pudesse me sustentar. Mas, eu não sabia o que procurar. Afinal eu era apenas aspirante a me tornar famoso como artista sertanejo. A fama, até que estava vindo, mas o dinheiro não aparecia.
A violeirada da época fazia "soca" em três pontos distintos. À noite, era cachaçada no "Nosso Bar", na Avenida Anhanguera esquina com a Rua Catalão (hoje se chama Rua Senador Jaime), no Setor Campinas. Durante o dia, havia duas opções: Era a pensão da dona Brasilina ou o Bazar Paulistinha, na Avenida 24 de Outubro. Na pensão, sempre havia "violada". No Bazar, a gente ia por motivos óbvios. Era lá que estava o homem que tinha prestígio suficiente para mandar gravar quem ele quisesse. 
Waldomiro Bariani Ortencio. Pioneiro em Goiás, na venda de discos, vitrolas e coisas do gênero, com uma rede de lojas que atendia todo o centro-oeste do Brasil. Tinha até discoteca-móvel. Isso mesmo, discoteca-móvel. O "seu" Waldo mandou equipar uma Kombi, com prateleiras, mesinha para aparelho de som que era alimentado pela bateria da Kombi, e contratou um motorista-vendedor que percorria as cidades do interior do Estado de Goiás, vendendo discos, e agulhas para vitrolas. Ideia brilhante, inovadora, produtiva mesmo. O motorista contratado foi o Olídio Machado (Nuvem Negra), mineiro de Ituiutaba, excelente primeira voz, havia feito parte de várias duplas, inclusive gravado um disco 78 RPM com o Panamy (Nêgo Vilela) lá de Palmeiras de Goiás. 
E, foi frequentando o Bazar do Waldomiro, que eu consegui o meu primeiro emprego, com carteira assinada e tudo. Que o homem sempre foi muito correto no cumprimento de suas obrigações. Eu me tornei uma espécie de secretário do "manda chuva" e também auxiliar de escritório, na Empresa dele, a W. Bariani Ortencio. Nome de fantasia: Bazar Paulistinha. Até hoje não sei bem, por que ele me ofereceu aquele emprego. Eu não tinha preparo para desempenhar as funções que me foram confiadas. Mas, não desperdicei a oportunidade. Procurei aprender, substituindo a ineficiência, pela boa vontade, usei a minha honestidade, um pouquinho de habilidade muita dedicação ao compromisso assumido, com o desejo de corresponder a confiança que ele depositara em mim. Eu sentia (e sinto) profunda admiração por aquele homem. Pela maneira com que ele conduzia a Empresa, como demonstrava tamanha afeição pelo círculo familiar, e como acreditava nos objetivos que pretendia alcançar (e alcançou), pela seriedade com que buscava sua estabilidade Empresarial, pela sua idoneidade moral e também pela capacidade de conciliar tudo isso, com a sua sensibilidade de artista. Empresário, Compositor e Escritor. Para mim, essas características faziam dele um Super Homem. Era exigente, mas não era arrogante. Sabia muito, mas não menosprezava aos que sabiam menos. Estagnar, nunca. Avançar, sempre. Esse era o seu lema. Waldomiro Bariani Ortencio, um mito, nos segmentos do comércio, da música e da literatura. Trabalhei com ele por mais de dois anos. Foi graças ao seu apoio que gravei com o Olídio (Nuvem Negra), um compacto duplo (quatro músicas) na gravadora: Áudio Fidelyti do Brasil. O destaque daquele disco foi a música "Ergam as Taças", de autoria do próprio Bariani, em parceria com o Lindomar Castilho.
Foto: Bariani Ortencio.

LADO A 

1 – Ergam as Taças – Bariani Ortencio – Lindomar Castilho 
2 – Meu Tormento – Ubirajara Moreira – Parcival Moreira 

Lado B 

3 – Adeus à Boemia – Marrequinho – Campeão 
4 – Se a Lua Contasse – Nuvem Negra 


Seis meses após a gravação do compacto, Nuvem Negra se desligou do quadro de funcionários do Bazar Paulistinha. Com o seu afastamento, e, por não estarmos colhendo nenhum resultado da nossa atuação artística, a nossa dupla foi desfeita. Pouco tempo depois, num gesto impensado demonstrei muita insensatez e uma "baita" infantilidade. Um dia, em que achei que o patrão estava mais exigente do que o de costume, impulsivamente redigi um bem elaborado "PEDIDO DE DEMISSÃO". E, o homem, que não era de adular ninguém, quando o recebeu, simplesmente escreveu com letras graúdas, que iam de um canto ao outro, do documento, a palavra: C O N C E D I D O. E assim, o famoso compositor de música sertaneja, Marrequinho, voltou a ser um desocupado. Com esse desfecho conheci, na prática, o resultado de se cutucar onça com vara curta.
Meu filho Chico Jr. – Bariani Ortencio e eu. Em 18/08/2010 no lançamento do meu livro. (Foto: Acervo Pessoal).



Contato com Marequinho:







* Décimo Quinto capítulo do livro "Marrequinho - O Menino de Campo Formoso", de Francisco Ricardo de Souza. Publicação autorizada pelo autor. Todos os direitos reservados.

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