quarta-feira, 3 de abril de 2019

Conflitos de Jurisdição entre Campo Formoso e Santa Luzia - PARTE VI

Apesar de ser um jovem município, as lideranças de Campo Formoso possuíam alguma força política nos anos de 1910, principalmente junto à base governamental do Estado de Goiás, controlada pela família Caiado. Santa Luzia, por sua vez, era um município com importância histórica, política e econômica reconhecida. Portanto, não facilmente furtada de seus interesses e seus pleitos seriam levados a sério por governistas e oposicionistas.
Em 1912, o Congresso Estadual entendeu que, de acordo com o artigo 13 da Constituição do Estado de Goiás, seria proibido que se alterasse a revelia as divisões territoriais por iniciativa de um ente e assim, vetou o avanço de Campo Formoso sobre o território entre os rios Piracanjuba e Corumbá, tendo a resolução o deferimento do presidente do Estado, Herculano Lobo.

Portanto, foi reconhecido que conforme a operosa defesa do senador estadual e juiz municipal de Santa Luzia, Herculano Meirelles, o que tinha validade era o teor contido na Resolução nº 354 de 1º de agosto de 1863. A lei estadual nº 277 de 12 de julho de 1906, que estipulava os limites de Campo Formoso com outros municípios, segundo o mesmo, apenas confirmava esta resolução editada no tempo do Império.
Ponto de partida da decisão e da justificativa de Santa Luzia, o artigo 3º da Resolução nº 354, sancionada pelo então governador da Província, José Vieira Couto de Magalhães, definia que:
“Artigo 3º - Pelo lado da Freguesia do Corumbá e Meia-Ponte continuarão as antigas divisas, pelo lado dos municípios das vilas de Santa Luzia e Santa Cruz pelo rio Piracanjuba até a sua confluência no rio Corumbá; dividindo-se da Freguesia do Vaivém pelo Imberuçu até São Marcos, e por uma vertente que esta fronteira até o rio Corumbá[1]”.
A comprovação que a anexação do bairro do Piracanjuba a Campo Formoso era desejo de parte dos proprietários rurais está na edição de 14 de setembro de 1912 do jornal O Planalto[2], porta-voz dos anseios políticos de Santa Luzia. A edição registra a queixa de nove proprietários de terra que reclamaram da decisão do Congresso Estadual no jornal Goyaz, em sua edição de 24 de agosto do mesmo ano. Esses fazendeiros queriam que suas terras fossem parte do município de Campo Formoso. Antes, o próprio veículo de Evangelino Meirelles havia publicado discurso de Herculano Meirelles afirmando que ninguém na região entre os rios Corumbá e Piracanjuba desejava pertencer a Campo Formoso.
Insatisfeito com os encaminhamentos, Campo Formoso continuou insistindo pela via legislativa, culminando com a publicação da Lei Estadual nº 431, de 16 de julho de 1913, sancionada por Joaquim Rufino Ramos Jubé, presidente do Senado no exercício da função de presidente do Estado.
No texto da lei, sobre a área territorial demandada, definiu que:
Artigo 1º - Ficam pertencendo ao município de Campo Formoso as fazendas denominadas Campo Limpo, Barreiros, Pedreiras, Córrego Fundo, Japão, Burity, Lamarão, Porto de Cavalheiros e Taquary, situadas entre os rios Piracanjuba e Corumbá, pertencentes a Zacharias Gonçalves Caixeta, Ananias Fernandes [de Castro] Canêdo, Eduardo Vieira da Motta, Florentino Pereira Cardoso, Pedro Pereira Cardoso, Amador Pereira Caixeta, Alfredo Pereira Caixeta, Antonio Pereira Cardoso, Ananias Gonçalves Caixeta, Antonio Fernandes Pinheiro e José Joaquim de Sousa, como requerem.
Artigo 2º - As divisas das referidas fazendas com o município de Santa Luzia são: do rio Piracanjuba, barra do ribeirão Extrema por este acima, até a ponta da Serra da Gordurinha, pelo espigão mestre, águas vertentes às fazendas das Pedreiras e Córrego Fundo, até o Pau Carvoeiro, deste em rumo ao nascente pelo espigão do Brejão até o Morro Alto, deste atravessando o ribeirão Mombuca a rumo do espigão do outro lado, águas vertentes ao córrego da Divisa até sair na estradinha na divisão da fazenda Posse do Japão, voltando à direita pelo espigão do Poção águas vertentes ao ribeirão Mombuca até o Corumbá[3]”.
Os embates entre os dois municípios não se cessaram imediatamente. Além deste território, Santa Luzia perdeu grande área com a emancipação de Serra dos Cristais (Cristalina) em 1916, um território que possuía grandes riquezas minerais. O município encarou com grande pesar este desmembramento. Posteriormente, parte do território perdido para Campo Formoso foi retomado por Santa Luzia, ação que serviu como um ‘pagamento’ por Serra dos Cristais, conforme prometera Antônio Ramos Caiado e Eugênio Jardim[4].
Mais recentemente, o Decreto-Lei nº 8.305, de 31 de dezembro de 1943, assinado pelo interventor federal Pedro Ludovico Teixeira, alterou os nomes de grande parte dos municípios goianos e fixou as suas divisões territoriais. Santa Luzia passou a se chamar Luziânia e Campo Formoso, Orizona. A descrição das divisas entre os dois municípios foi modificada. Conforme consta no decreto, assim ficaram as divisões entre os dois municípios:
Começa no rio Corumbá, no ponto confrontante com o espigão do Poção; daí, segue em rumo certo ao referido espigão; segue por este espigão, atravessando a serra da Gordurinha, até encontrar o ribeirão Extrema; desce por este ribeirão até sua barra no rio Piracanjuba; sobe por este rio até o Porto Velho, entre os córregos Lages e Águas Claras[5]”.
A Lei Estadual nº 8.111, de 14 de maio de 1976 apresentava o mesmo texto no que refere às divisas entre Orizona e Luziânia.
Um registro importante a deixar é que Campo Formoso (Orizona), assim que se tornou município em 1906, buscou se estabelecer e nesse processo, agiu para conquistar novos territórios. Obviamente, esta estratégia fez com que surgissem os conflitos de interesse com os municípios vizinhos, que corriam o risco de perderem áreas importantes. Assim foi com Santa Cruz, Bomfim (Silvânia) e Santa Luzia, sendo com este último, o embate mais forte.

ANSELMO PEREIRA DE LIMA
(E-mail: anselmopereiradelima@gmail.com)
  
Referências e Fontes Documentais:
1. O Planalto. Ano III. nº 105. p. 01, de 10/08/1912.
2. O Planalto. Ano III. nº 109. p. 01, de 14/09/1912.
3. Correio Official. Ano III. nº 110. p. 01, de 19/07/1913.
4. Referência a essa negociação política está contida na edição nº 209 do jornal O Planalto. In: O Planalto. Ano VI. nº 209. p. 01, de 30/07/1916.
5. GOIÁS. Decreto-Lei nº 8.305, de 31 de dezembro de 1943, publicado no D.O.E em 31/12/1943

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