O médico paulista Dr. Raphael Leme Franco, que tem a grafia de seu nome insistentemente escrita de forma equivocada por cidadãos e pelo poder público municipal[1], teve uma vida toda de militância em Campo Formoso/ Orizona. Nascido em 07 de setembro de 1895 em Leme - SP, veio para cá e não retornou. Aqui faleceu em 28 de setembro de 1977. Foram mais de 50 anos de exercício da medicina de família e praticando algumas das suas paixões, como a música, a poesia, a filosofia e o estudo da língua portuguesa (era considerado um excelente filólogo).
Também é atribuído a Dr. Raphael a sugestão em concurso do nome “Orizona” para o município de Campo Formoso. A mudança veio em 1943, na gestão do prefeito José da Costa Pereira (Zequinha). A mudança suscitou muitos debates e críticas. Enquanto Dr. Raphael usava o jornal O Popular e Zequinha a revista Oeste para responder aos opositores à indicação, Benedicto Silva e Cônego Trindade eram muito críticos à mudança.
Como poeta, Raphael assinava seus escritos como “El Franco”. Escreveu para diversos veículos da região, como Lavoura e Commercio (Uberaba), Araguary, O Ipamery e O Anápolis. Também é patrono da cadeira n. 03 da Academia de Letras, Ciências e Artes de Campo Formoso[2].
A seguir, disponibilizaremos texto de sua autoria intitulado “A verdadeira política”, publicado na edição de 23 de janeiro de 1934[3] no Lavoura e Commercio. O texto é por sinal muito oportuno para o momento atual.
A verdadeira política
“JUSTUS ET
TENACEM” – Horácio
(Especial para
o ‘Lavoura’, pelo dr. Raphael Leme Franco)
Política, do grego politiké
(que vem de polítes, cidadão), é a
ciência do governo dos povos, das nações.
A sua elevada etimologia, a sua excelsa origem (polites,
cidadão), mostram claramente a sua alta finalidade, o seu nobre desideratum.
Isso não significa que não haja maus cidadãos. Tanto pior
para eles.
Política, em suma, e categoricamente falando, é o governo
de povos dignos, exercido por dignos cidadãos.
E nunca devêramos pronunciar ou ouvir, em sentido dúbio,
essa palavra tão variável que parece um camaleão de linguagem...
***
Não entendo, aliás,
que democracia seja demagogia, nem que o indecoro de linguagem seja liberdade
de imprensa, nem acharia absurdo que houvesse uma ditadura de inteligência, da
verdadeira inteligência e probidade, o que não seria senão um serviço ao bom
senso geral, realizando-se, por via diversa, a democracia...
O que importaria, no caso, seria o fim nobre, o fim
superior, a cavaleiro de faciosismos estéreis e apetites mesquinhos.
Mas a ruindade da vida consiste essencialmente em nunca se
achar o tal ideal...
***
Reverso da medalha: em nome da política, entidade
respeitável, é sua sombra, sob seus auspícios, tem-se cometido e vai-se
cometendo uma enfiada de abusos, numa incrível inversão de valores, numa
acintosa postergação de direitos, num apego mórbido a processos retrógrados,
num despeitado empenho da favorecer a arborescência de fátuos prestígios...
Porque, política não é, - com a prevalência de cargos, -
descurar deveres, comprimir consciências, espezinhar o que é justo...
Porque´, política não é dar asas aos maus instintos, em
detrimento da ordem social...
Porque, política não é beijar as plantas dos potentados,
suplicando-lhes mesquinhos penachos, sob repúdio do consenso popular...
Porque, política não é preparar terreno maléfico, e ficar
depois de palanque, aguardando deflagrar de tragédias...
Porque, política não é a falsa reconciliação ou a falsa
admiração, sacrificando e manejando pretensos amigos, e querendo sub-repticiamente
consumir altivos adversários...
Porque, política não é pegar eleitor pela gola,
impingindo-lhe cédulas, e obriga-lo a votar com beltrano ou sicrano...
Porque, política não é, em troca de voto, prometer empregos
ou vantagens menos lícitas, como se o cumprimento de um dever cívico estivesse
sujeito a tais contingências...
Porque, política não é dizer a eleitores bisonhos,
mistificando os fatos, que votar, com X ou com Z, é votar contra o governo,
como se um digno governo devesse ser contrário à liberdade de voto...
Porque, política não é perturbar eleições ou tentar fazê-lo...
Porque, política não é desejar a anulação de eleições, sem
justo motivo, esperando com isto tábuas de salvação...
Porque, política não é, à custa de intrigas e calúnias,
depreciar os méritos alheios, e fantasiar culpas de outrem... cavando destarte
baixos proventos...
Porque, política vem de polítes
(cidadão), e sendo verdadeira, com se subentende, exprime civilidade e polidez...
e não aponta cidadãos que estão de cima ou de baixo... mas cidadãos que servem
ou que traem o seu povo, o seu Estado, a sua pátria e o verdadeiro progresso
humano.
“Justum et tenacem”...
Também, justa e tenaz, deve ser a verdadeira política.
Campo Formoso, 15/01/1934.
-------------
ANSELMO PEREIRA DE LIMA
(E-mail: anselmopereiradelima@gmail.com)
Notas
e Fontes Documentais:
1.
É possível, pelas placas de sinalização e das residências dispostas na Avenida
Rafael Leme Franco, perceber facilmente o uso da grafia ‘Lemes’ ou mesmo ‘Lemos’,
mas não encontramos nenhuma com a grafia ‘Leme’. Quanto a substituição de ‘Raphael’,
por ‘Rafael’, é plenamente aceitável, pelas alterações na Língua Portuguesa ao
longo das várias reformas e acordos ortográficos.
2.
Parte de seu acervo pessoal se encontra na biblioteca municipal Maurity Silva,
localizada no Antigo Fórum de Orizona.
3.
Ver FRANCO, Raphael Leme. A verdadeira política. In: Lavoura e Commercio. Uberaba. Ano XXXV. N. 6006, pág. 1, 23/01/1934.
0 comentários:
Postar um comentário
A legislação brasileira prevê a possibilidade de se responsabilizar o blogueiro pelo conteúdo do blog, inclusive quanto a comentários; portanto, não serão publicado comentários que firam a lei e a ética.
Por ser muito antigo o quadro de comentário do blog, ele ainda apresenta a opção comentar anônimo, mas, com a mudança na legislação
....... NÃO SERÁ PUBLICADO COMENTÁRIO ANÔNIMO....