Em 15 de novembro de 1889 foi
consagrada a conspiração política que derrubou o Império, através do bode expiatório
chamado Marechal Deodoro da Fonseca, um antigo monarquista que proclamou a
República. Contudo, no Rio de Janeiro e de forma muito pior nas províncias, a
população demorou a entender o que estava ocorrendo.
Durante o Império, especialmente na
regência de Dom Pedro II, o imperador nomeava alguém das elites políticas
(portanto, um forasteiro) de sua confiança e enviava às províncias para
presidi-las. O vice-governador geralmente era indicado por influência das
lideranças locais. Acontecia que muitas vezes o presidente da província tardava
ou nunca chegava e o Estado era governado pelo vice-presidente. Em Goiás isso
foi muito comum, principalmente pelo distanciamento geográfico da Corte. Havia
normalmente a transição entre representantes do partido Liberal e do Conservador,
uma hábil estratégia do Imperador.
Com a República, veio o advento das
forças políticas e econômicas locais. Desde as últimas décadas da monarquia, o
grupo liderado por Antônio Félix e José Leopoldo de Bulhões Jardim, juntamente
com correligionários como José Antonio Caiado, ganhou força e passou a dominar
de vez o cenário local, encampando bandeiras abolicionistas e republicanas.
Porém, logo após a revolta da Armada,
movimento que favoreceu a ascensão do Marechal Floriano Peixoto, houve também o
rompimento dos Caiados perante aos Bulhões Jardim. O velho José Antonio,
orientado pelo neto Antonio Ramos Caiado (Totó), não aceitou mais ser um
instrumento de José Leopoldo. Essa disputa culminou com uma terceira força
assumindo o poder em 1899, o grupo de José Xavier de Almeida.
A primeira década da República começou
conturbada do ponto de vista político e institucional. Sabemos que na Primeira
República predominavam os “votos de cabresto”, os chamados “currais eleitorais”
e as violentas práticas coronelistas. Mais do que nunca vigorava a máxima: “Aos
amigos tudo. Aos inimigos, os rigores da lei”. Votava-se em listas preparadas
por cabos eleitorais, que corriam atrás dos eleitores nos distritos e vilas.
Muitos votavam pelos outros, por quem
já tinha morrido e o voto era declarado verbalmente perante o representa da
comissão eleitoral, que o anotava (geralmente esse representante também
era quem falava pelo grupo político dominante e não era neutro). Depois havia
uma corrida para validar a ata. Cada sessão eleitoral apresentava uma ata
oficial e muitas vezes, atas paralelas enviadas pelos oposicionistas. Muitas
foram as ocasiões em que quem ganhava no voto, não tinha a sua eleição homologada.
Em 1891, inspirada na Constituição da
República dos Estados Unidos do Brasil, foi promulgada a Constituição do Estado
de Goiás. Também nesse caso, o processo não foi nada fácil, porque apareceu uma
constituição paralela e os atos administrativos neste ano foram por meses
questionados até que se chegasse num denominador comum.
Um desses atos, que gerou insegurança
jurídica e muita dúvida, foi a criação do Distrito de Paz e Policial de Nossa
Senhora da Piedade de Campo Formoso, município de Santa Cruz. A sede do
distrito, que era em 1891 habitado por algumas centenas de famílias, veio a ser
o que é hoje o município de Orizona.
Anterior a esse período, não temos
muitos registros da movimentação política e de notícias da antiga Capela de Nossa
Senhora da Piedade dos Corrêa. Podemos concluir que os fazendeiros e lideranças
locais estavam muito alinhados com essas novas forças políticas que ascenderam
com a República. Um nome de grande relevo, que é destacado, segundo Cônego
Trindade, pela contribuição à ascensão local foi o vigário de Santa Cruz, padre
Gomes Pereira da Silva, apontado inclusive como responsável pela sugestão do
nome “Campo Formoso” à localidade.
Campo Formoso se tornou Distrito de Paz
e Policial através da confirmação pelo Ato Administrativo número 66, de junho
de 1891 do governador Rodolpho Gustavo da Paixão. O primeiro juiz de paz e
órfãos do distrito foi o Sr. Antonio Fernandes de Castro, tendo Elias Fernandes
de Castro como seu primeiro suplente. O primeiro subdelegado de polícia foi
Modesto Fernandes de Castro (irmão de Antonio)[1], tendo como
suplentes Antonio Theodoro Gonçalves, Antonio Marianno d’Oliveira e Manoel Luiz
Fernandes)[2]. Em 1891 começaram os registros civis e por volta de 1893,
os serviços judiciais (especialmente inventários e arrolamento de títulos de
terra e tutoria de órfãos).
O regozijo local foi grande e cidadãos
de Campo Formoso, naquele mesmo ano, remeteram ao líder do Partido Republicano
Federal, Cônego Inácio Xavier da Silva, carta com abaixo-assinado de 56 cidadãos
em agradecimento pelo feito e aderindo ao partido governista. Dentre a redação
dada, podemos ler[3]:
“...no apogeu do regozijo geral, tanto pelo feliz
êxito da eleição dos nove deputados do Congresso deste Estado, como pela
instalação deste distrito, depois de congratularem-se com V. Rvma. como digno
presidente do Partido Republicano Federal, passam a protestar solenemente o seu
eterno reconhecimento e gratidão pelos relevantes serviços por V. Rvma. prestados
a bem desta florescente localidade, acompanhando a este protesto, a franca e
leal adesão dos abaixo-assinados àquele partido, único compatível com a
inabalável crença religiosa da totalidade dos habitantes deste distrito: a
religião católica e apostólica romana”.
No entanto, após isso, por conta da
insegurança e o cenário político conturbado, os representantes de Campo Formoso
não tinham certeza da confirmação dos atos anteriores. O professor da Escola de
Primeira Entrância do distrito, Luiz da Anunciação d’Oliveira Ferraz, que
correspondia com muita frequência com o jornal Estado de Goyaz e fazia sérios
elogios à vida cotidiana local, bem como cobrava ações do Estado em seu
benefício, registrou por vezes a preocupação dos moradores com a decisão
estadual, como nesta edição de 30 de setembro de 1892[4]:
“Eu venho também Sr. redator em nome do belo povo campo-formosense
saber do atual governo se os feitos do Dr. Paixão quanto as divisões feitas,
isto é, os pedaços que se retiraram de Santa Luzia, Bomfim e Santa Cruz, para
formar a freguesia de Campo Formoso, ficarão válidos.
Se por acaso não, eu venho em nome deste belo povo
o reclamar do atual governo para se dignar confirmar o nosso bom ex-governador
fez relativamente ao Campo Formoso. Se o atual governo fizer o que peço em nome
daquele patriótico povo, mostrará que é amante da igualdade, da fraternidade,
da ordem e progresso”.
Para garantir a instabilidade local e o
apoio das forças governistas estaduais, as lideranças de Campo Formoso agiam
politicamente para externar acenos de apoio aos governos goianos. Em 1903, por
exemplo, durante o governo de José Xavier de Almeida, foi criado o Club
Patriótico de Campo Formoso. Em mensagem publicada no Goyaz – Órgão do Partido
Liberal[5], falava-se que em 19
de setembro daquele ano, cerca de 200 eleitores se reuniram para criar a
organização e buscar a promoção da harmonia e dos interesses locais. Ficaram
dirigentes do clube, Jeremias Fernandes de Castro (presidente), José da Costa
Pereira Sobrinho (vice-presidente), Salviano Pedro Borges (1º. Secretário),
Rodolpho Fernandes de Castro (2º. Secretário) e José Vieira Caixeta, Joaquim
Jorge Teixeira, José Antonio Januzzi, Pio José da Silva e Virgílio Vaz dos Reis
(membros).
Outra ação política das lideranças
políticas locais foi quanto ao processo emancipatório. Havia nessa época, uma
clara rivalidade política entre os governantes de Santa Cruz e os munícipes que
lideravam o distrito de Campo Formoso. Perante a demora da Câmara dos Deputados
Estaduais em analisar a elevação de Campo Formoso à Vila, um grupo liderado por
José Vieira Caixeta (juiz distrital), Pio José da Silva (1º. Suplente de Juiz),
César Pereira Leão (escrivão distrital), Salviano Pedro Borges (professor
público), José Albino de Oliveira (2º. Suplente de Juiz) e pelos cidadãos José
Antonio Januzzi, José da Costa Pereira Sobrinho, Jeremias Fernandes de Castro e
Herculano de Souza Pereira, solicitaram ao Ten. Cel. Miguel da Rocha Lima,
governador de Goiás, em 29 de maio de 1906, providências para dar celeridade ao
processo e justificando as vantagens para a medida[6]:
“As vantagens que, para nós e quiçá para todo
Estado dimanará desta justa medida, são de nosso ver, de grande alcance. Em
primeiro lugar, porque a desarmonia que reina na sede de nosso município, entre
os homens encarregados de administrá-lo, quer politicamente falando tem acarretado
a falta de pagamento de impostos municipais em prejuízo de todo município e
daqueles que cumpridores de seus deveres, procuram pagá-los; em segundo, porque
o sentimento bairrista e talvez egoísta dos homens encarregados da
administração pública, dificultam à nós qualquer empreendimento progressista
que queiramos. A extensão do município e o pouco zelo da autoridade
arrecadadora de impostos, dão em resultado uns pagarem muito e outros (maior
parte) nada, em prejuízo mesmo do Estado”.
A decisão legislativa não demorou e em
12 de julho de 1906, o governador Miguel da Rocha Lima sancionava a Lei n. 277,
que elevava à categoria de vila o arraial de Campo Formoso e fixava os seus
limites[7].
Pelo Decreto n. 1.728, de 05 de
setembro de 1906, Rocha Lima nomeou a Intendência Municipal provisória,
composta pelos cidadãos Cel. José da Costa Pereira Sobrinho (presidente e
equivalente a intendente), capitães Jeremias Fernandes de Castro, Pio José da
Silva, José Antonio Januzzi, Eduardo Pereira Cardoso, Cel. Zacharias Gonçalves
Caixeta e Anacleto Teixeira França, ficando encarregados de realizar eleições
para intendente, vice-intendentes e conselheiros municipais no dia 14 de
novembro do mesmo ano[8].
A Intendência Municipal provisória foi
instalada em 15 de outubro de 1906, com a presença dos cidadãos da Vila de
Campo Formoso e de autoridades municipais da cidade de Bomfim, em especial o Cel.
Francisco Bertholdo de Souza, representante da municipalidade, que descerrou
quadro que continha a Lei n. 277. Além do Intendente Municipal, Cel. José da
Costa, também discursaram no ato, os cidadãos Alfredo Fleury, José Antonio
Januzzi, Enneas Brettas, Francisco Bertholdo de Souza e Salviano Pedro Borges[9].
Pelo Decreto n. 1.745 de 24 de setembro
de 1906, foi criada a coletoria de 5ª. Classe na Vila[10]. Em 28 de
janeiro de 1907, pelo Decreto n. 1.834, foi criado o Termo Judiciário de Campo
Formoso, subordinado à Comarca de Bomfim[11]. Foram criados ali os
foros civil e criminal e constava na data, 208 eleitores na localidade, ambos
aptos a serem jurados[12].
Em 1907, o Conselho de Intendência de
Campo Formoso aprovou a Lei Orgânica e o Código de Postura do Município. Esses marcos legais ainda hoje impressionam pela qualidade em sua elaboração e o rigor nos direitos e deveres dos cidadãos. Conforme anotam as pesquisadoras Gercinair Silvério Gandara e Jennydavison Ribeiro dos Santos Batista[13],
“Com normatizações
dadas pelo Código de Postura a cidade passou a ser pensada como um local que se pautaria pelo melhor convívio social
com melhores condições de moradia e saúde... As palavras de ordem advindas pelo
Código de Posturas eram ruas alinhadas e niveladas, casas arejadas,
salubridade, embelezamento, segurança, dentre outros. Ficava a cargo do
intendente municipal colocar as coisas em ordem. Para tanto dependia das figuras
marcantes dos fiscais do Conselho. A eles dentro dos limites da Vila cabia
autuar, inscrever, punir, aplicar multas, indiciar, além de lavar os canteiros
dos muros sujos pelos lodos, fiscalizar anéis d’água, e até mesmo matar
formigas ‘as cabeçudas’ que eram como pragas nessas paragens. Também dar fim
aos cães que não tivessem donos. Cabia, também, aos fiscais do Conselho aplicar
multas como também poderia sofrer multa caso descumprisse qualquer de suas
atividades ou algo lhe passasse despercebido”.
A Lei Estadual n. 347, de 08 de julho
de 1909, elevou à Categoria de Cidade a Vila de Campo Formoso. Quem sancionou a
lei foi o 3º. Vice-presidente do Estado, José da Silva Batista, após trâmite no
Congresso Estadual[14]. Em 1º de julho de 1912, através do Decreto n.
01, do bispo da Diocese de Goiás, Dom Prudêncio Gomes da Silva, foi criada a
Freguesia de N. S. da Piedade de Campo Formoso. A paróquia foi instalada
solenemente em 31 de agosto de 1912, pelo Pe. Gomes Pereira da Silva e pelo
vigário encarregado, Pe. Julião Calzada.
As Leis n. 277 e 347, contudo,
apresentavam perigosas brechas com relação aos limites territoriais com Bomfim
e Santa Luzia, gerando na década seguinte, grandes demandas políticas e
judiciais, além de conflitos de jurisdição. Sobre isso, trataremos em um futuro
texto.
ANSELMO PEREIRA DE LIMA
(E-mail: anselmopereiradelima@gmail.com)
Referências,
Fontes Documentais e Notas:
1. Ver: Estado de Goyaz – Órgão do
Partido Republicano Federal. Ano I, Número 04, pag. 3, de 27/06/1891.
2. A ereção de Campo Formoso a distrito
foi anunciada na edição n. 02 do Jornal Estado de Goyaz – Órgão do Partido
Republicano Federal: “O Governo do
Estado, atendendo os reclamos da população da Capela de Nossa Senhora da
Piedade de Campo Formoso, no Município de Santa Cruz, acaba de criar ali um
distrito de paz e policial”. Ver: Estado de Goyaz – Órgão do Partido Republicano
Federal. Ano I, Número 02, pag. 3, de 13/06/1891.
3. Ver: Estado de Goyaz – Órgão do
Partido Republicano Federal. Ano I, Número 18, pag. 2, de 03/10/1891.
4. Ver: Estado de Goyaz – Órgão do
Partido Republicano Federal. Ano II, Número 66, pag. 4, de 30/09/1892.
5. Ver: Goyaz – Orgão do Partido
Liberal. Número 780, pág. 03, de 30/10/1903.
6. Ver: Semanário Official – Ano VIII,
No. 341, pag. 06, de 12/06/1906.
7. Ver: Semanário Official – Ano VIII,
No. 349, pag. 01, de 09/08/1906.
8. Ver: Semanário Official – Ano VIII,
No. 355, pag. 01, de 20/09/1906.
9. PEREIRA NETO. Olímpio. Orizona:
Campo e Cidade. 2ª. edição revisada e aumentada. Orizona: 2010. 372 p.
10. Ver: Semanário Official – Ano VIII,
No. 356, pag. 01, de 27/09/1906.
11. Ver: Semanário Official – Ano IX,
No. 372, pags. 01 e 02, de 26/01/1907.
12. Antes desta data, no período
anterior à Proclamação da República, a região tinha sido vinculada as Comarcas
de Santa Cruz, do Rio Paranaíba, novamente Santa Cruz e Bella Vista. Posteriormente,
foi termo de Bella Vista e novamente Bomfim, até que veio a criação da Comarca
de Campo Formoso, através do Decreto-Lei n. 5096, de 12 de dezembro de 1941,
emitido pelo Interventor Federal Pedro Ludovico Teixeira, após autorização de
Getúlio Vargas. O primeiro juiz de direito de Campo Formoso foi Paranayba
Piratinynga Santana, filho do jornalista Moisés Santana.
13. GANDARA, G.S.; BATISTA, J.R.S. Nos rincões de Goiás... A
construção de um território citadino.
In: Labor & Engenho, Campinas/SP, v.10, n.2,
p.157-169, jan/mar 2016.
14. Ver: Semanário Official – Ano XI,
No. 469, pag. 01, de 16/07/1909.
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