Depois
da decisão da justiça estadual de Goiás em dezembro de 1910, os trâmites
referentes às questões territoriais entre Campo Formoso e Santa Luzia entre os
anos de 1911 e 1913 no Congresso Estadual foram bastante conturbados, onde cada
decisão atingia de forma positiva ou negativa os interesses dos entes.
Continuaremos a seguir tratando do desenrolar deste assunto no Congresso e a
sua repercussão, especialmente junto às partes envolvidas.
Na
24ª sessão ordinária na Câmara dos Deputados, em 04 de julho de 1911, a
Comissão Civil e Judiciária deu pareceres para que fossem adotados e discutidos
os autógrafos de número 4 e 5 do Senado, o primeiro sobre os limites entre
Campo Formoso e Santa Luzia. Os pareceres foram aprovados quase que em sua
integralidade no plenário[1].
Na
sessão de 07 de julho, o deputado Abílio Wolney, que tinha proximidades com
Santa Luzia, pela ordem fala das diversas matérias pendentes da discussão da
Câmara e pede ao presidente a inclusão na ordem do dia do projeto que tratava
dos limites. O presidente em exercício Theodorico Florambel declarou não poder
incluí-lo, pois o mesmo dependia de impressão[2]. Na sessão do dia
08 de julho, Wolney volta a cobrar da mesa a discussão do projeto. O vice-presidente
no exercício da presidência, T. Florambel, prometeu então atender a
reivindicação dentro do possível[3]. A mesa da Câmara segurou por
meses o projeto de lei, sem que desse continuidade.
Na
edição número 52 do jornal O Planalto, de Santa Luzia, é feito elogio à atuação
do senador Herculano Meirelles por sua firme defesa à causa do município[4]:
“Amigo fiel e dedicado desta terra e zeloso
da integridade de seu território, trabalhou com interesse e coragem, ao lado de
outros amigos, para que Santa Luzia não perdesse a causa que foi forçada a
sustentar contra Campo Formoso no seio do Congresso Estadual, ficando o mesmo
pendente de decisão da Câmara.”
Dando
vazão à pauta de Santa Luzia, O Planalto publicou em suas páginas nas edições
61, 62 e 63, discurso do senador Herculano fazendo firme posicionamento perante
o Senado. Por ser muito esclarecedora no sentido de fazer compreender a questão,
apesar de parcial em favor de Santa Luzia, transcreveremos quase que na íntegra
a fala do parlamentar:
“Sr. Presidente. — O projeto em discussão apresentado pelo
mui ilustre amigo e colega Sr. José Reginaldo, deve ser rejeitado, porque os
limites do município de Campo Formoso com o de S. Luzia são bem claros e
conhecidos, não
havendo, portanto, necessidade em alterai-os.
havendo, portanto, necessidade em alterai-os.
Os habitantes de
Campo Formoso pedem, na sua representação, a aviventação dos limites dos dois
municípios, dizendo, que Campo Formoso antes de ser constituído vila pertencia
ao município de S. Cruz e elevado á categoria de vila ela lei n. 277, de 12 de
julho de 1906 ficou constituído com os limites seguintes:
«Com os municípios de
Bomfim e Santa Luzia pelas mesmas divisas antigas e até hoje respeitadas»
Entendem os peticionários que essas
divisas antigas a que se refere a Lei 277 de 1906 são as estabelecidas pelo Ato
de 1º de abril de 1833, o que é puro engano, como vou demonstrar.
Trinta anos depois do citado ato, a
Resolução Provincial n. 354, de 1º de agosto de 1863 determinou seu art. 3º o
seguinte:
«O limite do
município de Santa Luzia com o de Santa Cruz é pelo rio Piracanjuba até a
confluência no rio Corumbá»
Depois veio a
Resolução n. 553, de 9 de agosto de 1875, que autorizou o Presidente da
Província a ratificar os antigos limites entre os municípios de Santa Cruz e
Santa Luzia, e cuja ratificação nunca teve lugar, por julgá-la naturalmente o
governo desnecessária; prevalecendo
ate hoje o limite estabelecido pela Resolução de 1863, que como já disse é o
rio Piracanjuba; e sendo esta divisão natural, não há razão para alterá-la.
Santa Luzia sempre teve
domínio sobre o bairro do Piracanjuba, como provarei. O terreno situado entre
os caudalosos rios Corumbá e Piracanjuba se denomina Bairro do Piracanjuba, o
qual se compõe de diversas fazendas entre as quais mencionarei as seguintes –
Lages, Mandaguahy ou Mombuca, Japão, Córrego Fundo, Burity, Lamarão e outras,
todas situadas no município de Santa Luzia.
Os limites referidos pelos
habitantes de Campo Formoso na representação que deu causa ao presente projeto
é pura criação dos peticionistas, porquanto, o ato de 1º de abril de 1833 não
determinou que as divisas dos dois municípios era por este ou aquele lugar. O
ato diz somente que as divisas dos dois são as mesmas das respectivas
paróquias. O que acabo de dizer pode-se verificar nos livros de atos
provinciais existentes na Secretaria do Interior.
Já se vê que os
peticionistas usaram de uma esperteza com o intuito de iludir os meus ilustres colegas.
A divisa paroquial a que
se refere o ato de 1833, era como tenho plena convicção, o rio Piracanjuba,
como mais tarde foi confirmada pela Resolução citada de 1863.
Tanto é, o que afirmo
verdade, que toda vez que o Vigário de Santa Cruz, Padre Antonio Luiz Braz
Prego transpunha o limite de sua freguesia e penetrava na de Santa Luzia, pedia
licença ao Vigário desta, conforme se vê das certidões que vou ler e cuja
leitura chamo a atenção de meus colegas. Lê[5]”.
“Sr.
Presidente. — O vigário de Santa Luzia, padre Delfino Machado de Faria, devido
á sua avançada idade, não podia fazer a visita paroquial de toda a sua
freguesia e, por isso, encarregava de fazê-la no bairro do Piracanjuba o
vigário de
Santa Cruz, padre Prego.
Este, devidamente
autorizado, praticava a zona aludida todos os atos religiosos: batizava
crianças, fazia casamentos, etc, e remetia ao padre Delfino os respectivos
assentamentos a fim de serem lançados nos livros da paróquia de Santa Luzia.
Desses livros é que
foram extraídas as certidões lidas por mim, e pelas quais
viram que as fazendas das do Lamarão, Córrego Fundo, Burity, Japão, Mandaguahy
e outras pertencem à freguesia de Santa Luzia; e o respectivo vigário, padre
Domingos de Moraes Sarmento, até hoje, as percorre em visita paroquial todos os
anos, sem reclamação do vigário de Santa Cruz, que reconhece ser o rio
Piracanjuba o limite de sua freguesia com a de Santa Luzia, conforme comunicou
o padre Domingos.
(...)
Senhor Presidente, as
fazendas do Japão, Córrego Fundo, Lages, Posse, Mandaguahy e outras, situadas
no lugar em questão, foram inventariadas no foro de Santa Luzia.
A do Japão foi inventariada em 1867 com
os falecimentos dos seus primeiros proprietários - Luiz da Silva Vieira e sua
mulher Maria Ignacia de Jesus, cujo inventário foi julgado pelo juiz de direito
da comarca, Dr. Joaquim Félix de Souza, por sentença de 1º de abril de 1867. A
referida fazenda foi inventariada depois em 1878, por morte do seu proprietário
João Moreira Saavedra, inventário que foi julgado pelo juiz de direito
interino, Wellington Gomes Curado, em 23 de novembro do referido ano de 1878.
Nessa época era juiz de direito da comarca de Santa Luzia o ilustre desembargador
Coriolano Augusto de Loyola, venerando Presidente do Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado, o qual foi juiz daquela comarca por espaço de 14 anos.
A fazenda das Lages, Mandaguahy ou
Mombuca e Córrego Fundo foram José Vieira Caixeta, sendo o inventário processado
pelo então juiz municipal, o ilustre Dr. Luiz Gonzaga Jayme e julgado pelo juiz
de direito da comarca, Dr. Augusto Couto Delgado.
Os ilustres
desembargadores Coriolano Augusto de Loyola, Luiz Gonzaga Jayme e Emílio
Francisco Póvoa podem testemunhar o que tenho dito, porquanto foram por muitos
anos juízes da Comarca de Santa Luzia.
Nos cartórios desta
comarca existem inúmeros documentos de que toda a margem esquerda do
Piracanjuba é do domínio exclusivo de Santa Luzia.
Os habitantes da zona
ambicionada por Campo Formoso são jurados qualificados em Santa Luzia e alguns
também são eleitores[6]”.
“(...)
A Resolução de 1875 nada
modificou; autorizou apenas o presidente da província a ratificar os limites dos
dois municípios, e desde que o governo não usou dessa autorização, é claro
prevalecer ainda, a divisa estabelecida na Resolução de 1863. A palavra
ratificar empregada na Resolução de 1875 quer dizer confirmar - limites já
estabelecidos. Era essa a intenção do legislador, pois, do contrario, isto é,
se houvesse duvida ou confusão de limites, seria empregada a palavra avivar ou
aviventar e não ratificar como está na lei.
(...)
Ora, de 1863 para cá
não houve, como já disse, alteração alguma na legislação do nosso Estado
relativamente aos limites de Santa Luzia e Santa Cruz, por isso, segue-se, e
não há por onde fugir, que a divisa antiga entre estes municípios é o rio
Piracanjuba e é esta a divisa que a lei de 1906 pôs em pleno vigor.
Dentre os documentos
que acompanhavam a representação dos habitantes de Campo Formoso encontrei uma
espécie de mapa, monumental obra de Joaquim Jorge Teixeira, o qual colocou no
mesmo a fazenda da Mombuca ao Oeste da fazenda Japão, quando ela está ao Norte,
o que afirmo por ser conhecedor das mesmas.
A fazenda Mandaguahy
ou Mombuca está ao Norte da do Japão e se dividem pelo espigão mestre. Essa fazenda
Mandaguahy ou Mombuca é de propriedade da família Vieira, que tem sido vítima
das autoridades de Campo Formoso.
Quando foi a fazenda do Japão
dividida pela autoridade judiciaria de Campo Formoso, o documento que serviu de
base foi uma certidão passada pelo escrivão de órfãos de Santa Luzia; certidão
de inventário procedido nos bens de Luiz da Silva Vieira e sua mulher Maria lgnacia de Jesus.
Pode-se ver esse documento
nos autos da divisão existente em Campo Formoso.
(...)
Sr. Presidente, à
vista das razões por mim expedidas e dos documentos apresentados, creio que não
há a menor dúvida entre os limites dos dois municípios; esses limites de modo
algum podem deixar de ser o rio Piracanjuba[7]”.
CONTINUA...
ANSELMO PEREIRA DE LIMA
(E-mail: anselmopereiradelima@gmail.com)
Referências e Fontes Documentais:
1. Ver: Correio Official. Ano I. n. 23, p. 03, de
20/07/1911.
2. Ver: Correio Official. Ano I. n. 23, p. 04, de
20/07/1911.
3. Ver: Correio Official. Ano I. n. 24, p. 04, de
27/07/1911.
4. Ver: O Planalto. Ano II. n. 52, p. 01, de
06/08/1911.
5. Ver: O Planalto. Ano II. n. 61, p. 02 e 03, de
07/10/1911.
6. Ver: O Planalto. Ano II. n. 62, p. 02 e 03, de
14/10/1911.
7. Ver: O Planalto. Ano II. n. 63, p. 02 e 03, de 21/10/1911.
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