segunda-feira, 1 de abril de 2019

Conflitos de Jurisdição entre Campo Formoso e Santa Luzia - PARTE IV

Depois da decisão da justiça estadual de Goiás em dezembro de 1910, os trâmites referentes às questões territoriais entre Campo Formoso e Santa Luzia entre os anos de 1911 e 1913 no Congresso Estadual foram bastante conturbados, onde cada decisão atingia de forma positiva ou negativa os interesses dos entes. Continuaremos a seguir tratando do desenrolar deste assunto no Congresso e a sua repercussão, especialmente junto às partes envolvidas.
Na 24ª sessão ordinária na Câmara dos Deputados, em 04 de julho de 1911, a Comissão Civil e Judiciária deu pareceres para que fossem adotados e discutidos os autógrafos de número 4 e 5 do Senado, o primeiro sobre os limites entre Campo Formoso e Santa Luzia. Os pareceres foram aprovados quase que em sua integralidade no plenário[1].
Na sessão de 07 de julho, o deputado Abílio Wolney, que tinha proximidades com Santa Luzia, pela ordem fala das diversas matérias pendentes da discussão da Câmara e pede ao presidente a inclusão na ordem do dia do projeto que tratava dos limites. O presidente em exercício Theodorico Florambel declarou não poder incluí-lo, pois o mesmo dependia de impressão[2]. Na sessão do dia 08 de julho, Wolney volta a cobrar da mesa a discussão do projeto. O vice-presidente no exercício da presidência, T. Florambel, prometeu então atender a reivindicação dentro do possível[3]. A mesa da Câmara segurou por meses o projeto de lei, sem que desse continuidade.
Na edição número 52 do jornal O Planalto, de Santa Luzia, é feito elogio à atuação do senador Herculano Meirelles por sua firme defesa à causa do município[4]:
Amigo fiel e dedicado desta terra e zeloso da integridade de seu território, trabalhou com interesse e coragem, ao lado de outros amigos, para que Santa Luzia não perdesse a causa que foi forçada a sustentar contra Campo Formoso no seio do Congresso Estadual, ficando o mesmo pendente de decisão da Câmara.”
Dando vazão à pauta de Santa Luzia, O Planalto publicou em suas páginas nas edições 61, 62 e 63, discurso do senador Herculano fazendo firme posicionamento perante o Senado. Por ser muito esclarecedora no sentido de fazer compreender a questão, apesar de parcial em favor de Santa Luzia, transcreveremos quase que na íntegra a fala do parlamentar:
Sr. Presidente. — O projeto em discussão apresentado pelo mui ilustre amigo e colega Sr. José Reginaldo, deve ser rejeitado, porque os limites do município de Campo Formoso com o de S. Luzia são bem claros e conhecidos, não
havendo, portanto, necessidade em alterai-os.
Os habitantes de Campo Formoso pedem, na sua representação, a aviventação dos limites dos dois municípios, dizendo, que Campo Formoso antes de ser constituído vila pertencia ao município de S. Cruz e elevado á categoria de vila ela lei n. 277, de 12 de julho de 1906 ficou constituído com os limites seguintes:
«Com os municípios de Bomfim e Santa Luzia pelas mesmas divisas antigas e até hoje respeitadas»
Entendem os peticionários que essas divisas antigas a que se refere a Lei 277 de 1906 são as estabelecidas pelo Ato de 1º de abril de 1833, o que é puro engano, como vou demonstrar.
Trinta anos depois do citado ato, a Resolução Provincial n. 354, de 1º de agosto de 1863 determinou seu art. 3º o seguinte:
«O limite do município de Santa Luzia com o de Santa Cruz é pelo rio Piracanjuba até a confluência no rio Corumbá»
Depois veio a Resolução n. 553, de 9 de agosto de 1875, que autorizou o Presidente da Província a ratificar os antigos limites entre os municípios de Santa Cruz e Santa Luzia, e cuja ratificação nunca teve lugar, por julgá-la naturalmente o governo desnecessária; prevalecendo ate hoje o limite estabelecido pela Resolução de 1863, que como já disse é o rio Piracanjuba; e sendo esta divisão natural, não há razão para alterá-la.
Santa Luzia sempre teve domínio sobre o bairro do Piracanjuba, como provarei. O terreno situado entre os caudalosos rios Corumbá e Piracanjuba se denomina Bairro do Piracanjuba, o qual se compõe de diversas fazendas entre as quais mencionarei as seguintes – Lages, Mandaguahy ou Mombuca, Japão, Córrego Fundo, Burity, Lamarão e outras, todas situadas no município de Santa Luzia.
Os limites referidos pelos habitantes de Campo Formoso na representação que deu causa ao presente projeto é pura criação dos peticionistas, porquanto, o ato de 1º de abril de 1833 não determinou que as divisas dos dois municípios era por este ou aquele lugar. O ato diz somente que as divisas dos dois são as mesmas das respectivas paróquias. O que acabo de dizer pode-se verificar nos livros de atos provinciais existentes na Secretaria do Interior.
Já se vê que os peticionistas usaram de uma esperteza com o intuito de iludir os meus ilustres colegas.
A divisa paroquial a que se refere o ato de 1833, era como tenho plena convicção, o rio Piracanjuba, como mais tarde foi confirmada pela Resolução citada de 1863.
Tanto é, o que afirmo verdade, que toda vez que o Vigário de Santa Cruz, Padre Antonio Luiz Braz Prego transpunha o limite de sua freguesia e penetrava na de Santa Luzia, pedia licença ao Vigário desta, conforme se vê das certidões que vou ler e cuja leitura chamo a atenção de meus colegas. Lê[5]”.
Sr. Presidente. — O vigário de Santa Luzia, padre Delfino Machado de Faria, devido á sua avançada idade, não podia fazer a visita paroquial de toda a sua freguesia e, por isso, encarregava de fazê-la no bairro do Piracanjuba o vigário de Santa Cruz, padre Prego.
Este, devidamente autorizado, praticava a zona aludida todos os atos religiosos: batizava crianças, fazia casamentos, etc, e remetia ao padre Delfino os respectivos assentamentos a fim de serem lançados nos livros da paróquia de Santa Luzia.
Desses livros é que foram extraídas as certidões lidas por mim, e pelas quais viram que as fazendas das do Lamarão, Córrego Fundo, Burity, Japão, Mandaguahy e outras pertencem à freguesia de Santa Luzia; e o respectivo vigário, padre Domingos de Moraes Sarmento, até hoje, as percorre em visita paroquial todos os anos, sem reclamação do vigário de Santa Cruz, que reconhece ser o rio Piracanjuba o limite de sua freguesia com a de Santa Luzia, conforme comunicou o padre Domingos.
(...)
Senhor Presidente, as fazendas do Japão, Córrego Fundo, Lages, Posse, Mandaguahy e outras, situadas no lugar em questão, foram inventariadas no foro de Santa Luzia.
A do Japão foi inventariada em 1867 com os falecimentos dos seus primeiros proprietários - Luiz da Silva Vieira e sua mulher Maria Ignacia de Jesus, cujo inventário foi julgado pelo juiz de direito da comarca, Dr. Joaquim Félix de Souza, por sentença de 1º de abril de 1867. A referida fazenda foi inventariada depois em 1878, por morte do seu proprietário João Moreira Saavedra, inventário que foi julgado pelo juiz de direito interino, Wellington Gomes Curado, em 23 de novembro do referido ano de 1878. Nessa época era juiz de direito da comarca de Santa Luzia o ilustre desembargador Coriolano Augusto de Loyola, venerando Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado, o qual foi juiz daquela comarca por espaço de 14 anos.
A fazenda das Lages, Mandaguahy ou Mombuca e Córrego Fundo foram José Vieira Caixeta, sendo o inventário processado pelo então juiz municipal, o ilustre Dr. Luiz Gonzaga Jayme e julgado pelo juiz de direito da comarca, Dr. Augusto Couto Delgado.
Os ilustres desembargadores Coriolano Augusto de Loyola, Luiz Gonzaga Jayme e Emílio Francisco Póvoa podem testemunhar o que tenho dito, porquanto foram por muitos anos juízes da Comarca de Santa Luzia.
Nos cartórios desta comarca existem inúmeros documentos de que toda a margem esquerda do Piracanjuba é do domínio exclusivo de Santa Luzia.
Os habitantes da zona ambicionada por Campo Formoso são jurados qualificados em Santa Luzia e alguns também são eleitores[6]”.
(...)
A Resolução de 1875 nada modificou; autorizou apenas o presidente da província a ratificar os limites dos dois municípios, e desde que o governo não usou dessa autorização, é claro prevalecer ainda, a divisa estabelecida na Resolução de 1863. A palavra ratificar empregada na Resolução de 1875 quer dizer confirmar - limites já estabelecidos. Era essa a intenção do legislador, pois, do contrario, isto é, se houvesse duvida ou confusão de limites, seria empregada a palavra avivar ou aviventar e não ratificar como está na lei.
(...)
Ora, de 1863 para cá não houve, como já disse, alteração alguma na legislação do nosso Estado relativamente aos limites de Santa Luzia e Santa Cruz, por isso, segue-se, e não há por onde fugir, que a divisa antiga entre estes municípios é o rio Piracanjuba e é esta a divisa que a lei de 1906 pôs em pleno vigor.
Dentre os documentos que acompanhavam a representação dos habitantes de Campo Formoso encontrei uma espécie de mapa, monumental obra de Joaquim Jorge Teixeira, o qual colocou no mesmo a fazenda da Mombuca ao Oeste da fazenda Japão, quando ela está ao Norte, o que afirmo por ser conhecedor das mesmas.
A fazenda Mandaguahy ou Mombuca está ao Norte da do Japão e se dividem pelo espigão mestre. Essa fazenda Mandaguahy ou Mombuca é de propriedade da família Vieira, que tem sido vítima das autoridades de Campo Formoso.
Quando foi a fazenda do Japão dividida pela autoridade judiciaria de Campo Formoso, o documento que serviu de base foi uma certidão passada pelo escrivão de órfãos de Santa Luzia; certidão de inventário procedido nos bens de Luiz da Silva Vieira e sua mulher Maria lgnacia de Jesus.
Pode-se ver esse documento nos autos da divisão existente em Campo Formoso.
(...)
Sr. Presidente, à vista das razões por mim expedidas e dos documentos apresentados, creio que não há a menor dúvida entre os limites dos dois municípios; esses limites de modo algum podem deixar de ser o rio Piracanjuba[7]”.

CONTINUA...

ANSELMO PEREIRA DE LIMA
(E-mail: anselmopereiradelima@gmail.com) 


Referências e Fontes Documentais:

1. Ver: Correio Official. Ano I. n. 23, p. 03, de 20/07/1911.
2. Ver: Correio Official. Ano I. n. 23, p. 04, de 20/07/1911.
3. Ver: Correio Official. Ano I. n. 24, p. 04, de 27/07/1911.
4. Ver: O Planalto. Ano II. n. 52, p. 01, de 06/08/1911.
5. Ver: O Planalto. Ano II. n. 61, p. 02 e 03, de 07/10/1911.
6. Ver: O Planalto. Ano II. n. 62, p. 02 e 03, de 14/10/1911.
7. Ver: O Planalto. Ano II. n. 63, p. 02 e 03, de 21/10/1911.

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