Continuaremos
hoje tratando das questões referentes aos conflitos de jurisdição ocorridos na
década de 1910 entre os municípios de Santa Luzia (Luziânia) e Campo Formoso
(Orizona), apresentados introdutoriamente em texto publicado no blog Orizona em
Foco (ver link https://orizonaemfoco.blogspot.com/2018/12/conflitos-de-jurisdicao-entre-campo.html). Por cuidado, na busca da
coerência com os fatos, transcreveremos trechos ou a integralidade de
documentos, na busca da clareza e da coerência com o que de fato aconteceu na
época.
A primeira
manifestação na imprensa da questão do conflito se deu em “O Planalto”,
semanário de Santa Luzia, dirigido por Plácido de Paula e Evangelino Meirelles. Na edição número 05, de 03 de setembro de 1910[1],
um editorial intitulado “Mentira Ostensiva”, critica o presidente do Conselho
Municipal de Campo Formoso, José Albino de Oliveira, por levar o fato ao
Presidente do Estado de Goiás, Urbano Coelho de Gouveia:
“Causa pasmo a desfarsatez do sr. José Albino de Oliveira, presidente do Conselho Municipal de Campo Formoso, em levar ao Conhecimento do honrado dr. Presidente do Estado um fato que somente existe na sua imaginação e na de seus comparsas, qual o de ter o foro desta cidade se exorbitando, invadindo o território daquele município e ali fazendo segunda divisão da fazenda Japão”.
A fazenda
Japão era de propriedade de Ananias Fernandes Canedo e de seus curatelados
Maria e Nelson, Ana, Escolástica e Lucinda Pereira da Silva. O veículo de
comunicação afirmava que a demanda de Campo Formoso não representava os
interesses dos moradores e que a divisão da fazenda foi feito a revelia, sem o
consentimento dos proprietários. Por isso, ataca especialmente o Juiz Municipal
de Campo Formoso, Joaquim Jorge Teixeira, pelo ato judicioso.
O editorial
também lembra que a Lei n. 277, de 12 de julho de 1906, remete às antigas
divisões, previstas na Resolução Provincial n. 10, de 10 de agosto de 1837. Na
edição número 07, o jornal[2] apresentou várias certidões de assentamentos
de batizado da freguesia de Santa Luzia, realizados nas fazendas Córrego Fundo,
Lamarão, Piracanjuba, Buriti e Japão no período de 1861 e 1877, com o propósito
de justificar que o exercício de Santa Luzia sobre a região seria legítimo.
Contudo, essas mesmas justificativas dão margem para alegar que o município não
exercia plenamente a sua jurisdição, pelo menos do ponto do vista eclesiástico,
uma vez que são apresentadas certidões em que o vigário de Santa Cruz, Antonio
Luis Bras Prego, ministrou sacramentos nas localidades.
Sobre o
desenrolar dos fatos, em 31 de maio de 1909, Campo Formoso[3]
solicitara ao Conselho de Santa Luzia a concessão dos territórios entre os rios
Corumbá e Piracanjuba, partindo a linha divisória da barra deste com o ribeirão
Buriti, rumo à serra do Alecrim no Corumbá, ficando pertencentes a Campo
Formoso as fazendas do Mandaguahy, Lages, Córrego Fundo e todas as mais.
Obviamente, Santa Luzia não atendeu a solicitação de Campo Formoso, apresentada
na carta a seguir:
“Ilmos. Exmos. Srs. Presidente e Membros do Conselho Municipal de Santa Luzia, - Essa ilustre corporação, como todas aquelas que ambicionam o desenvolvimento geral do nosso Estado pela facilidade da distribuição da justiça e a boa fiscalização das suas rendas, devem conhecer que os bairros muito distantes da sede do vosso município, como as margens do rio Piracanjuba, que devem estar a 14 ou 15 léguas de distância, não por esta justa razão ter a necessária distribuição da justiça e nem tampouco concorrerá para o aumento de suas rendas; além disso, a vastidão do município que tendes a honra de administrar é por esta distância, de difícil administração. O nosso Município, pobre em território e de pouca população, crê no patriotismo de V. Exs. não levarem a dificuldades a passagem para ele de um pequeno pedaço de vosso território isto é: Da barra do Ribeirão do Buriti Grande no Piracanjuba, pelo mesmo acima até a sua cabeceira, desta em rumo a serra do Alecrim, e por esta até o rio Corumbá. Como veem Exmos. Srs. é um pequeno terreno, não muito habitado e que em nada prejudicará o vosso município. Estamos certos que não empenhareis em dificultar essa divisa de equidade, mormente quando ela abrange habitantes que muito desejam pertencer ao nosso. Esperamos que atendais o que neste vos pedimos e aproveitamos a ocasião para protestar-vos a nossa sincera estima e consideração. Saúde e fraternidade. Conselho Municipal de Campo Formoso, 31 de maio de 1909. Pio José da Silva, Presidente. José Albino de Oliveira, Herculano de Sousa Pereira, Euclydes Tolentino Brettas, Florentino José de Andrade, Rodolpho Fernandes de Castro, Secretário”.
A sondagem
não comoveu o município vizinho. O imbróglio só tomou forma quando o juiz
municipal de Campo Formoso, Joaquim Jorge Teixeira, em maio de 1910 dividiu a
fazenda Japão, de Ananias Canedo, tendo já anteriormente procedido a divisão da
fazenda Posse (dos Buritis). Com a posição de Santa Luzia, Campo Formoso
recorreu ao Congresso Estadual, cuja representação foi dirigida ao Senado, que
por sua vez pediu que as partes se pronunciassem sobre a pretensão da
municipalidade de Campo Formoso. Após ouvi-las, a mesa do Senado Estadual
arquivou o requerimento. Vendo seus anseios negados, Campo Formoso recorreu ao
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Na oportunidade, o município também
questionava o avanço indevido de Santa Luzia sobre área que seria supostamente
de sua jurisdição, na região da fazenda Mandaguahy.
Em 02 de
dezembro de 1910, o Tribunal de Justiça do Estado se pronunciou sobre a questão[4]:
“Acordam em Tribunal, etc. Que feito o
relatório verbal e discutindo os presentes atos de conflito de jurisdição positivo
n. 15 entre partes; solicitante o Juiz Municipal de Campo Formoso, sob representação
do Subpromotor Público respectivo e suscitado o Dr. Juiz de Direito da comarca
de Santa Luzia, deixam de conhecer do mesmo em vista das declarações
devidamente comprovadas do juiz suscitado, que não invadiu o território do
município de Campo Formoso, visto ter procedido apenas a demarcação da fazenda ‘Mandaguahy’,
que pertence a sua jurisdição, deprecando ao juiz de Campo Formoso, para a
citação dos interessados residente na fazenda do Japão, o que teve lugar
sendo-lhe devolvida a respectiva deprecada, depois de cumprida pelo juiz
solicitante: acresce mais que já se achando concluído o processo da divisão e
demarcação da fazenda ‘Mandaguahy’, não tem mais razão de ser o aludido
conflito, visto como este consiste na contestação entre dois Juízes quando
ambos afirmam ou negam sua competência para conhecer de um quadro pendente; então
a jurisdição do juiz do conflito é provocada para decidir qual deles é
competente nesse ato, não sendo permitido ao poder judiciário, decidindo de um
conflito, avocar processos findos para conhecer se foram competentemente
julgados, conhecendo assim de atos já concluídos e consumados.
Assim decidindo, deixam de decretar a condenação em
custas, em vista à natureza da causa.
Como instrução – observam que não tendo o
Presidente da Província dado cumprimento à Resolução n. 553 de 09 de agosto de
1875, que autorizou a ratificar os antigos limites entre os municípios de S. Luzia
e Santa Cruz, do qual foi desmembrado o território de Campo Formoso, ex vi da
lei n. 277 de 12 de julho de 1906 de modo que ficassem mais claros e excluíssem
qualquer dúvida, é certo subsistir ainda a dúvida, quanto aos ditos limites,
notando-se mais que se fossem nesses pelo rio Piracanjuba, não haveria
necessidade daquela resolução, por ser natural a linha divisória entre os dois
municípios.
Goiás, 02 de dezembro de 1910 – Abreu, P. interino.
– Oliveira Godoy – Relator. – A. Rios – E. Povoa. Fui presente – Martins Ribeiro”.
A decisão do
tribunal indicou ser favorável ao pleito de Santa Luzia e o município desejou
que as discussões terminassem por ali mesmo. Campo Formoso não ficou satisfeito.
Coube ao município, através de alguns representantes, publicar no “Goyaz” de 21
de janeiro de 1911 um artigo questionando a decisão do Tribunal. Em outro
artigo no mesmo jornal, aos 28 de janeiro de 1911, os representantes de Campo
Formoso voltaram a se manifestar, inclusive atacando o editorial de “O Planalto”,
de Evangelino Meirelles, jornalista e que tinha o senador estadual Herculano de Campos Meirelles como um defensor veemente dos
interesses de Santa Luzia.
As demandas
e contendas não cessaram completamente naquela década, seja do ponto de vista
político ou eclesiástico, conforme veremos na terceira parte deste texto.
Finalmente, também conheceremos as leis editadas a respeito das questões
territoriais envolvendo as divisões entre as duas municipalidades.
CONTINUA...
ANSELMO PEREIRA DE LIMA
(E-mail: anselmopereiradelima@gmail.com)
Referências e Fontes Documentais:
1. Ver: O
Planalto. Ano I. n. 05, p. 01, de 03/09/1910.
2. Ver: O
Planalto. Ano I. n. 07, p. 04, de 17/09/1910.
3. Ver: O
Planalto. Ano II. n. 29, p. 01, de 18/02/1911.
4. Ver:
Goyaz. N. 1.145, p. 02, de 10/12/1910.
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