O texto apresentado pelas leis estaduais n. 277, de 12 de julho de 1906, e n. 347, de 08 de julho de 1909, em muito resolveu os anseios dos moradores de Campo Formoso (Orizona), mas trouxe efeitos colaterais que se arrastaram pelo menos pela década seguinte. É que essas leis apresentavam em sua redação brechas importantes e não tratavam sobre as novas divisões territoriais com os vizinhos Bomfim (Silvânia) e Santa Luzia (Luziânia). A lei n. 277, que elevou Campo Formoso à Vila, define em seu Artigo 1º que “fica elevado à categoria de Vila o arraial de Campo Formoso, da Comarca de Bomfim, constituindo o respectivo distrito um município com a mesma denominação e sede”.
Sobre
a divisão territorial, a lei (Artigo 2º) diz que:
“O novo município limitar-se-a: com os
municípios de Santa Luzia e Bomfim com as mesmas divisas anteriores e até hoje respeitadas;
partirá a divisa da do município de S. Cruz, no Rio do Peixe e por este até a
barra do ribeirão do Baú, por este acima até a fazenda de Benedito Gonçalves de
Araújo, abrangendo-a, e dali seguindo em linha reta ao morro da Onça, dali
seguindo as divisas da fazenda do Antonio Rodrigues, abrangendo-o até o
ribeirão do Corrente, e por este abaixo até a sua barra no Rio Corumbá”[1].
A
lei n. 347 elevou Campo Formoso à cidade e reafirmou as divisões previstas na
lei n. 277[2]. Neste intervalo, a lei n. 303, de 20 de julho de 1907,
alterava os limites territoriais entre Campo Formoso e Santa Luzia. No artigo 1º
dizia o texto [3]:
“... a partir da ponte do Rio do Peixe,
na estrada de Bomfim e dirige a Santa Cruz, em linha reta a mais alta cabeceira
do ribeirão Bananal, denominado também Bauzinho e Baú Brande, e por este
abaixo, até o rio Corumbá...”.
Este
texto foi alterado em 1909 com a lei n.347. Portanto, preocupou-se em resolver
em todas as ocasiões as divisas com o antigo município patrício, esquecendo-se
de deliberar sobre as divisas a norte e leste com os demais vizinhos. A Resolução
n. 570, de 09 de agosto de 1876, por exemplo, definiu que a partir das fazendas
Firmeza e Campo Aberto, o território ao norte pertenceria a Bomfim[4].
A
divisão com Santa Luzia estava historicamente definida como sendo o rio
Piracanjuba. O avanço de Campo Formoso sobre o triângulo entre o rio
Piracanjuba e sua foz com o Corumbá foi o motivador dos conflitos, ocorridos a
partir de 1910, quando aconteceram embates jurídicos, políticos e jornalísticos
intensos.
Acontece
que os colonizadores mineiros que ocuparam geograficamente a região tinham
profundas relações familiares, históricas e identitárias com seus vizinhos do
lado de Santa Cruz, que veio a formar Campo Formoso. Geralmente também tinham
terras em ambos os lados do Piracanjuba. Pela proximidade geográfica com Santa
Cruz, que era também caminho para a freguesia de Araxá, origem da maioria das
famílias mineiras, ficava muito mais cômodo se relacionar social, econômica e
politicamente com este município.
Segundo
o historiador e escritor Paulo César Sampaio de Oliveira, desde o início do
século XIX, havia incentivos para que fazendeiros do Sudeste ocupassem a região
e obtivessem títulos de sesmarias. No Rio de Janeiro, as famílias mais
influentes de Minas Gerais e São Paulo conseguiam esses títulos facilmente. Já
as famílias mais modestas tinham que se esforçar um pouco mais para conseguir o
benefício pela marcha ao oeste e norte.
Provavelmente,
foi na década de 1830 que a família de Jacintho Pereira Cardoso, pai do Cap.
José Pereira Cardoso, obteve os títulos das terras no Rio de Janeiro e começou
a migrar lentamente para o sertão de Santa Cruz. Nota-se que não vieram de
imediato. Foi um processo que durou cerca de duas décadas e de forma gradativa.
Nesse ínterim, também continuaram mantendo suas vidas na região da Serra Negra,
em Patrocínio-MG. O mesmo aconteceu com a família de Joaquim Fernandes de
Castro e com os vizinhos que aqui se estabeleceram.
No
final da década de 1840 e início dos anos de 1850, as terras começaram a ser
subdivididas com os parentes que vieram, geralmente em definitivo. A viagem de
Patrocínio a Santa Cruz, apesar das condições precárias de tráfego, variavam de
uma a três semanas, demorando mais quando se levavam grupos grandes, compostos
por mulheres, crianças, bens e mantimentos.
De
acordo com importante estudo feito por diversas mãos e publicado no blog
Historiografia para Catalão[5], ao citar
Heraldo Tadeu Laranjo Mendonça, observa que: "O caminho de Goiás partia, a
princípio, e pelo lado paulista, da trilha aberta pelos bandeirantes vindos de
Taubaté. Mais tarde, e por outro lado, foi aberto o Caminho Novo, iniciado no
Rio de Janeiro, atingindo Juiz de Fora até Tiradentes, São João del Rey e
Barbacena. Rumando para noroeste tinha, aproximadamente o seguinte trajeto: São
Tiago, Morro do Ferro, Oliveira, Formiga, Bambuí, Araxá e, finalmente Paracatu,
onde os caminhos se uniam e, seguiam para Goiás". O Caminho Novo passava por Serra Negra, onde
em seu itinerário em 1823, o Brigadeiro Raymundo José da Cunha Mattos[6]
registra a estadia na região da Capela de Nossa Senhora da Piedade.
De acordo ainda com o blog, ao citar José Aluisio Botelho: "...A
compreensão de tudo isso, passa pelas características migratórias internas na
capitania de Minas Gerais no final do século dezoito e início do dezenove,
decorrentes do esgotamento da mineração. O grande fluxo migratório para o
sertão da Farinha Podre se deu por volta de 1810 em diante com as descobertas de
pastagens propícias à criação de gado, e de terras férteis favoráveis à
agricultura. Decorrente isso se tem as rotas percorridas por levas de famílias
inteiras em direção ao triângulo mineiro e alto Paranaíba”. Com essa
demanda e os incentivos, as famílias adentraram o sertão de Santa Cruz, especialmente
na Capitania de Goiás.
Sobre
a ocupação da parte de Santa Luzia, o genealogista Enio Alves Vieira[7]
destaca que “a Fazenda Mandaguahy foi o
chão habitado pelo mineiro de São Francisco de Paula-MG, Antonio Vieira da
Motta, por volta de 1843. Ali criou sua família, mesclou os sobrenomes Vieira
da Motta e Pereira Caixeta”.
O
autor acrescenta que os primeiros habitantes da região ocuparam as fazendas
Posse (dos Buritis), Japão, Gamelas e Piracanjuba, bem como pelos ribeirões
Brejão, Buriti Grande e rio Corumbá, além do próprio Mandaguahy, nascido no platô
das Covas, recebendo os córregos Açude do Joaquim, Barreirinho, Grota do Fecho
e Restinga Funda. Os habitantes da região se dedicavam à criação de gado de
cria e cultura de cereais para subsistência.
Na
margem direita do rio Piracanjuba, na região do Marinheiro, o pioneirismo ficou
por conta de Florentino Vieira da Motta/ do Nascimento, filho de Manoel Vieira
da Motta e Thereza Maria do Espírito Santo. Da mesma família de Antonio,
Florentino nasceu na região da Serra Negra, freguesia de Patrocínio. Estabeleceu-se
na região em definitivo por volta de 1847. Era casado com Maria Joanna de
Jesus, filha de Manoel Pereira Cardoso e Justa Zeferina.
A
vinda desses parentes abriu caminho para um significativo processo migratório
oriundo da região da Serra Negra nas décadas de 1840 e 1850, especialmente. Na
mesma época que vieram os Pereira Cardoso, Vieira da Motta e Fernandes de
Castro [8], chegaram outras famílias, constadas no Censo Mineiro de
1832 e que se estabeleceram na região, como Francisco, Antonio e Vicente José d’Oliveira,
Clemente José da Silva, Antonio Vieira Maxado, Manoel Joaquim Bastos, João
Capistrano, Joaquim e Manoel José Pinheiro, só para citar alguns indivíduos[9].
Somados com outras famílias já estabelecidas, como os Barbosa, Mello, Correa
Peres/ Pires, Sousa Lobo, Ribeiro da Silva, Cabral, Costa, Vaz dos Reis,
Ferreira da Cunha, Gonçalves de Araújo e Martins Borges, formou-se um
importante quadro social na região, que permitiu o seu rápido povoamento.
Na
próxima parte deste texto trataremos especificamente sobre as questões jurisdicionais
e políticas relacionadas aos limites territoriais entre Santa Luzia e Campo Formoso.
CONTINUA...
ANSELMO PEREIRA DE LIMA
(E-mail: anselmopereiradelima@gmail.com)
Referências,
Fontes Documentais e Notas:
1.
Ver: Semanário Official – Ano IX, No. 349, pag. 01, de 09/08/1906.
2.
Ver: Semanário Official. Ano XII, n. 469, pag. 01, de 16/07/1909.
3.
Ver: Semanário Official. Ano X, n. 393, pag. 03, de 03/08/1907.
4.
Ver: Correio Official de Goyaz. Ano XXXIX. N. 70, pág. 01, 13/09/1876.
5. Ver: Historiografia para Catalão. 1ª
parte: Registros paroquiais de terras da Villa do Cathalam. In: https://historiografiaparacatalao.blogspot.com/2017/08/registros-paroquiais-de-terras-villa-do.html.
Consultado em 29/11/2018.
6.
MATTOS, Raymundo José da Cunha.
Itinerário do Rio de Janeiro ao Pará e Maranhão pelas Províncias de Minas
Gerais e Goiás – Tomo I. Rio de Janeiro: J. Villeneuve, 1836.
7.
VIEIRA, Enio Alves. Os Vieira da Fazenda Mandaguahy. Goiânia: Kelps, 2015. 354
p.
8.
Segundo Enio, os Vieira da Motta são originários de São Francisco de Paula-MG,
os Silva Vieira de Dores de Indaiá-MG, e os Pereira Caixeta, de Santo Antonio
do Monte-MG. Conforme observamos, os Fernandes de Castro são originários da
região de Formiga e Conselheiro Lafaete-MG. Os Pereira Cardoso provavelmente
são oriundos de São Bento do Tamanduá, hoje Itapecerica-MG.
9.
O senhor Jeová Vieira, bisneto de José Pereira Cardoso, está preparando
importante estudo sobre a presença da família Vieira da Motta e Pereira Cardoso
em Orizona.
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