terça-feira, 20 de novembro de 2018

Como fazendeiros de Santa Cruz contribuíram com a participação Brasileira na Guerra do Paraguai


No início da segunda metade do século XIX, a Província de Goiás estava isolada dos centros econômicos e políticos do Império Brasileiro. A rede ferroviária ainda estava a meio século de adentrar o nosso território. A infraestrutura de estradas e pontes era a mais limitada e arcaica possível.
Politicamente, a província não tinha nenhuma força perante a Corte e em relação ao restante do país. Irrelevante também era a força econômica desse gigante de cerca de um milhão de quilômetros quadrados: a economia era baseada na exportação de gado para outras províncias e as cifras não eram tão significativas assim.
As receitas provinciais vinham principalmente do pouco imposto obtido nesse comércio interprovincial e de outras ninharias arrecadadas. Sem condições de dispor de infraestrutura de fiscalização e com reduzidíssimo efetivo policial, a evasão fiscal era muito grande. Para piorar, a ineficiência governamental do Estado era muito grande. Dessa forma, o governo provincial vivia de “pires na mão” e de hora em hora, pedia ajuda aos fazendeiros e comerciantes que viviam razoavelmente bem ou que sobreviviam nas vilas e freguesias.
Um episódio desses aconteceu por ocasião da participação brasileira na Guerra do Paraguai. Sem levar em conta os verdadeiros motivos da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) de atacar o Paraguai de Francisco Solano López, lembremos que o conflito ocorreu de 1864 a 1870 e custou a vida de centenas de milhares de pessoas nos diversos lados. Do lado brasileiro, cerca de duzentos mil soldados foram para o front e cerca de cem mil cidadãos de nosso país foram mortos. O conhecido "genocídio americano" custou também a vida de soldados de nossa região, como foi o caso do Cap. Vicente Miguel da Silva, voluntário de Bomfim (Silvânia), morto na Retirada da Laguna em Santa Catarina em 29 de maio de 1867. Além das armas, a fome e doenças foram responsáveis por muitas mortes.
As províncias mais importantes forneceram os maiores efetivos para a guarda nacional. Coube a Goiás e outras províncias marginais a tarefa de especialmente prestar apoio logístico às tropas, com o fornecimento de alimentos e prestação de serviços de transporte, bem como a formação de alguns destacamentos para ajudar nesse apoio e para serem incorporados às tropas combatentes (foi formado o Batalhão dos Voluntários da Pátria que saiu da Cidade de Goiás no dia 20 de janeiro de 1866).
Cidadãos mais prestigiados foram nomeados para a guarda nacional e para auxiliares neste esforço de guerra.  Nessa época o efetivo da guarda nacional estava reduzido em Goiás a algumas centenas de homens, mal munidos e mal remunerados. As Vilas e Comarcas ficaram encarregadas de mobilizar homens, alimentos e recursos pecuniários (dinheiro) para auxiliar o Estado nesta missão, além de manter os serviços estatais minimamente em funcionamento.
Em 1866, o sertão de Campo Formoso ainda era formado apenas por fazendas isoladas e pela recente Capela de Nossa Senhora da Piedade dos Corrêa, ainda um prefácio do povoamento que haveria de se formar em Santa Cruz. O registro da doação, feita por fazendeiros e comerciantes da freguesia, aparece na Edição n. 137, pág. 3, do Correio Official de Goyaz, de 1866. A província era na época governada pelo vice-presidente Augusto Ferreira França, do Partido Conservador. Quem remeteu a mensagem, de 14 de abril de 1866, foram os políticos locais João Evangelista Fonseca e Lino Correia de Souza.
Confira a mensagem contendo a lista de doadores e nela veremos nomes de fazendeiros de Santa Cruz (exceto de Morrinhos) e distritos integrantes daquele município, sendo alguns residentes ou de famílias da região onde hoje é Orizona, entre eles Joaquim Fernandes de Castro, José Pereira Cardoso, Jacintho Pereira Cardoso, Theodoro e Joaquim Gonçalves Pinheiro e Manoel Ribeiro Correa (aproveite a leitura tente identificar algum ancestral nesta lista)*:

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Ilmo. e Exmo. Sr., - Temos o prazer de passar às mãos de Vossa Excelência a quantia de novecentos e treze mil réis (913$000) com que os cidadãos constantes da lista inclusa concorrerão para as urgências do Estado, afim de que V. Ex. a empregue do modo que julgar mais conveniente.
Adiantamos ao capitão comandante do batalhão deste lugar Antonio Gonsalves de Araújo Bastos, para despesas por ele feitas com guardas nacionais designados para o serviço de destacamento, como já comunicou a V. Ex. o mesmo comandante, a quantia de quinhentos e trinta e sete mil e cento e cinquenta réis (537$150).
Temos de receber ainda muitas quantias, que perfazem uma soma não pequena a qual não podemos precisar, em consequência de estarem fora da lista dos subscritores em poder dos cobradores por esta comissão encarregados.
Para nossa descarga pedimos a V. Ex. que, sendo possível, ordene a publicação dos nomes subscritores no Correio Official, e enviaremos afinal a V. Ex. a lista original, em que eles assinam.
Deixamos de enviar neste ensejo o V. Ex. os subscritores do distrito de Morrinhos, que já entraram com a quantia de cento e sessenta e quatro mil réis (164$000) e que nos foi remetida pela comissão parcial por esta nomeada, em razão de não ter ela nos enviado a lista dos subscritores, por continuar ainda em cobranças, o que faremos logo que nos seja enviado.
Deus guarde a V. Ex. Vila de Santa Cruz, 14 de Abril de 1866 – Ilmo. e Exmo. Sr. Dr. Augusto Ferreira França, M.D. Presidente desta Província – João Evangelista Fonseca – Lino Correia de Souza.

Lista dos cidadãos residentes no município de S. Cruz que subscreveram com as quantias mencionadas para as urgências do Estado:

Tenente Coronel Luiz Gonzaga de Menezes – 100$000
Tenente João Evangelista da Fonseca – 50$000
Lino Correia de Souza – 50$000
Capitão João Gonsalves de Araújo Bastos – 50$000
Capitão Francisco de Paula Gonzaga – 50$000
Major Luiz Manoel da Silva – 50$000
Capitão Joaquim Fernandes de Castro – 50$000
Tenente Manoel Lobo de Souza – 50$000
Alferes José Pereira Cardoso – 10$000
Manoel José Pinheiro – 10$000
Joaquim Luiz Ferreira – 10$000
José Barbosa de Lemos – 10$000
Capitão João Pereira Cardoso – 10$000
José Pereira Cardoso Primo – 10$000
Manoel José da Silva – 5$000
José Manoel Barbosa - 5$000
Tenente Antonio Correa de Souza – 5$000
Manoel Nunes da Silva – 5$000
Antonio da Costa Braga – 5$000
Francisco Pereira Cardoso – 5$000
Tenente Antonio José Alves – 5$000
Francisco José de Oliveira – 5$000
Manoel Ribeiro Correa – 4$000
Tenente Jacintho Pereira Cardoso – 10$000
Alferes Francisco Gonçalves de Araújo – 5$000
José da Rosa Moraes – 5$000
Manoel de Brito Rocha – 5$000
Honório Dias Barroso – 5$000
Manoel Corrêa Pires – 5$000
Florentino Corrêa do Nascimento – 5$000
Joaquim Pereira Cardoso – 1$000
Domingos José Valle – 2$000
Antonio Pereira Cardoso – 3$000
Cypriano Francisco d’Oliveira – 1$000
Joaquim Silvério de Souza – 4$000
Antonio Teixeira de Mendonça – 10$000
João Monteiro – 2$000
Manoel Francisco d’Oliveira – 2$000
Manoel Ignacio Bastos – 2$000
Francisco Marianno Machado – 2$000
Antonio de Brito Paes – 2$000
Marianno José d’Oliveira Nunes – 1$000
Theodoro Gonsalves Pinheiro – 2$000
Joaquim Gonsalves Pinheiro – 1$000
Francisco Cordeiro de Faria – 1$000
Antonio Rosa do Espírito Santo - $500
Manoel Ignacio Bastos – 2$000
Hermenegildo Lopes de Moraes – 50$000
José Maria Bueno da Fonseca – 20$000
Capitão Manoel Martins Marques – 20$000
Capitão José Manoel da Silveira – 20$000
Carlos Martins Marques – 8$000
Belchior Pereira Martins – 5$000
Joaquim Antonio de Miranda – 8$000
José Ferreira de Azaré – 5$000
Manoel Antonio Maciel – 2$000
Antonio Joaquim de Souza – 2$000
Ezequiel Gomes de Araújo – 1$000
Leopoldino José do Carmo – 1$000
Antonio Justino de Azeredo – 1$000
Sabino Ribeiro de Freitas – 1$000
Joaquim Machado Valadão – 1$000
Clemente José de Souza – 1$000
Quintino José de Souza – 1$000
Fortunato Simões de Lima – 1$000
José Marques da Silva – 1$000
João Evangelista Guimarães – 1$000
Antonio Vieira Ramos – 1$000
Francisco Mendes Moreira - $500
José Mendes Moreira Sobrinho - $500
Miguel Duarte de Souza - $500
Francisco Mendes Moreira Junior - $500
Rafael Ferreira Mattos - $500
Felicíssimo Parreira e Souza - $500
Antonio Duarte Nogueira - $500
Manoel José de Araújo Franco - $500
José Francisco Xavier - $500
José Duarte e Sousa - $500
Dinheiro recebido no distrito
De Morrinhos – 164$000
Soma – 913$000
João Evangelista da Fonseca – Lino Corrêa de Souza.

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ANSELMO PEREIRA DE LIMA
(E-mail: anselmopereiradelima@gmail.com) 


* Fonte: Correio Official de Goyaz. n. 137, pág. 3, ano de 1866.

Um comentário:

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