Passei dois anos sem compor nada. Mas, estava começando a me sentir sem graça, frustrado, por não ver meu nome impresso no selo de um disco de lançamento recente (na época, claro). Então, pensei: "Vou voltar a escrever, mesmo que seja só por distração. Sou compositor. Se sei usar o que a inspiração me oferece para satisfazer essa minha vontade, por que não fazê-lo?" E comecei exercitar a imaginação tentando compor alguma coisa que valesse a pena. Então, descobri algo que me surpreendeu. A inspiração não é manipulável. Ela se manifesta quando quer, e, não quando se é convocada. Eu pensava que ela estaria a minha disposição quando eu bem entendesse. Isso não aconteceu. Eu tentava, tentava e não conseguia escrever nada, mas nada mesmo. Então, entreguei os pontos, e admiti ser um mero instrumento que a inspiração usava para produzir as composições musicais, que eu, arrogantemente pensava serem minhas. Chegando a essa decepcionante, mas, esclarecedora conclusão, parei de "forçar a barra", conformei-me com a situação, aceitei a verdade, e, humildemente me coloquei à disposição para servir de receptor de qualquer manifestação que porventura a caprichosa inspiração quisesse algum dia transmitir através do meu pensamento. E, ela felizmente se manifestou. De maneira imprevisível, como sempre. Aconteceu da seguinte forma: Eu estava voltando de uma viagem de Belém do Pará. Percorria a Belém-Brasília, no trecho entre Miranorte e Paraíso do Norte (Hoje, Paraiso do Tocantins). Estava rompendo o dia, uma brisa morna acariciava meu rosto, direcionada pelo quebra-vento da janela do caminhão. Não estava pensando em nada. Concentrava-me na estrada, ouvindo o rugido contínuo do possante motor. Então, ouvi nitidamente, uma voz, murmurar em meus ouvidos, umas frases que diziam assim:
“Na casinha verde de número vinte/ Na pequena Rua do Bairro Bomfim/ É onde eu passo momentos felizes/ Com uma pessoa que gosta de mim”. Levei um susto. Em seguida me lembrei da proposta que eu havia feito para a inspiração e lhe agradeci, comovido, por ela não estar mais, de mal, comigo. E novamente, a voz se fez ouvir:
“Alma sertaneja, coração amigo/ Naquele endereço vive a me esperar/ Ali, eu encontro a felicidade/ Que num agasalho de simplicidade/ Ansiosamente me espera chegar. Aí, fui envolvido pela emoção. Parei o caminhão, desci me ajoelhei e fiz uma prece de agradecimento a Deus, por estar me permitindo ter de volta, o que eu, irresponsavelmente havia tentado afastar de mim: a inspiração. Prossegui viagem, ouvindo frases, até se formarem duas estrofes, com nove versos cada uma. A casinha verde é meu mundo de sonhos/ Na afinidade de dois corações/ Naquele lugar eu encontro refúgio/ Pra esconder das mágoas e desilusões/ Ali, só se fala de coisas bonitas/ Na doce harmonia de amor sem igual/ Ali, me espera uma certa pessoa/ Criatura humilde, tão santa e tão boa/ Que vive tranquila, na ausência do mal. Então, a voz se calou. A quem estaria sendo direcionados esses versos? Quem seria essa pessoa portadora de tantas virtudes e de tanta dedicação a mim? A resposta para estas perguntas, só me foi dada alguns meses depois. Outra vez, voltando de viagem, passando pelo mesmo trecho de estrada, Miranorte/Paraíso do Norte, ao nascer do dia. Dos recônditos de Minh’ alma surgiram essas palavras: É uma velhinha de cabelos brancos/ De rosto enrugado e andar vacilante/ Que sente nos ombros, o peso da idade/ Porém, não se queixa nem por um instante/ É minha mãezinha, que ali, eu encontro/ A quem eu dedico o amor mais profundo/ A casinha verde é bastante singela/ Mas, tudo o que amo está dentro dela/ Porque minha mãe representa o meu mundo.
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Acervo Pessoal
D. Maria Rosa da Piedade
(Falecida em 1993 aos 87 anos de Idade)
Mãe do Compositor Marrequinho
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Chorei copiosamente, confesso. E em meio a lagrimas de emoção e de contentamento, minha conturbada mente ainda conseguiu ouvir "a voz" murmurar, sugerindo que o título da composição, fosse “ENDEREÇO DA FELICIDADE”. Não considerei uma sugestão, e sim, uma ordem que obedeci sem titubear. Chegando a Goiânia, levei a letra ao Odaés Rosa, com quem eu mantinha muita afinidade musical e lhe perguntei se queria musicá-la. Ele aceitou, e sua inspiração o assessorou na criação de uma belíssima melodia. Essa composição foi gravada pelo "Trio Parada Dura" (Creone, Barreirito e Mangabinha) em 1.975 (No LP "Blusa Vermelha") e teve uma tremenda repercussão em todo o Brasil, graças a Deus.
Posteriormente esta música foi regravada por “Di Paullo e Paulino” no CD “Marrequinho – Uma Vida, Uma história”.
Contato com Marequinho:
Twitter: http://twitter.com/#!/Marrequinho1
Palco Mp3: http://palcomp3.com/marrequinho/
* Trigésimo Terceiro capítulo do livro "Marrequinho - O Menino de Campo Formoso", de Francisco Ricardo de Souza. Imagens: Acervo Pessoal. Publicação autorizada pelo autor. Todos os direitos reservados.
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