quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Em memória de Joaquim Bonifácio, 1º Príncipe dos Poetas Goianos

Historicamente, até pelo menos os anos de 1930, quem se aventurava no mundo das letras (literatura e jornalismo) eram os filhos homens, brancos e de famílias tradicionais do Estado de Goiás. Mulheres dessas mesmas famílias e pessoas de baixa renda eram raros nesse universo. Isso era entre outros motivos, consequência da proibição da circulação de veículos de comunicação e da existência de faculdades pelo menos até o início do século XIX, mas principalmente por falta de acesso da maioria à educação formal. Alguns grupos, como os escravizados, estavam inclusive proibidos ao acesso. E quem podia, enviava os filhos jovens para a Academia Militar (da Praia Vermelha era uma das mais concorridas), para os cursos de Medicina e de Direito (como o do Largo do São Francisco). Em Goiás, os primeiros cursos superiores chegaram no século XX.
Como o ensino básico não era obrigatório, estava no lucro quem minimamente sabia ler e fazer as quatro operações. As crianças de Campo Formoso (Orizona), dessas famílias, prioritariamente era levadas para Bonfim (Silvânia) e Santa Cruz. As primeiras vagas chegaram no novo distrito em 1892, através do professor Luiz Ferraz, da cadeira masculina de primeira entrância (equivalente ao antigo primário) e depois, do Salviano Pedro Borges. A cadeira feminina foi criada, mas não surgiram professoras. Além desses casos, tinham famílias que contratavam professoras para dar aulas nas fazendas, para os da casa e até algum agregado. E muitas vezes, não era necessário ter uma formação acadêmica para ser considerada uma referência intelectual. Haja visto Egerinêo Teixeira e José da Costa Pereira em Campo Formoso.
Um desses sortudos que puderam conhecer as letras e que se tornou uma referência de nosso jornalismo arcaico e quase pré-histórico, na historiografia e literatura foi Joaquim Bonifácio Gomes de Siqueira. Gercino Monteiro Guimarães o denominou “Príncipe dos Poetas Goiano”, o primeiro a receber esse título. Também foi apelidado de “Casemiro de Abreu Goiano”, por ressaltar a beleza de nossa terra.
Estudou no Liceu de Goyaz e teve um desempenho considerado “bom”. Tinha as disciplinas de Português, Francês, Aritmética, Inglês, Geografia Histórica e Álgebra Geométrica, além de um bom comportamento, conforme registros de 1894. Em 1903 foi nomeado para ocupar o cargo de amanuense (equivalente a escriturário) na secretaria do Interior, Justiça e Segurança Pública de Goiás. Como autor, de acordo com Gilka Vasconcelos de Salles, escreveu de caráter histórico e genealógico, entre outros, “A Descoberta de Goiás” e “Esboço Genealógico da Família Siqueira”, ambos no ano de 1921.
Conforme Geraldo Coelho Vaz, Joaquim Bonifácio nasceu na antiga capital do Estado, no dia 11 de janeiro de 1883. Faleceu na cidade do Bonfim (Silvânia-GO), no dia 17 de novembro de 1923. Mais tarde, seus restos mortais forma trasladados para a Cidade de Goiás e depositados, em um túmulo especial, no Cemitério São Miguel.
Publicou Alvoradas (1903), livro de versos carregados de sentimentalismo e de amor pela Cidade de Goiás, criticado por Duque d’Estrada. Além de escritor foi, também, inspetor de fiscalização de coletorias, viajando por todo o Estado, conhecendo nossa realidade. Por esse motivo, participou na impressa da época com artigos históricos e análises sociais de acontecimentos que presenciou. Em 1913 publicou outro livreto, Alguns Versos, em que aparecem os belos poemas Luares e Noites Goianas (leia abaixo), mais tarde musicados com sucesso, de acordo com o blog de Antônio Miranda.
Editou diversos jornais, dentre eles, a Folha de Goyaz, juntamente com o jornalista Honestino Guimarães, na Cidade de Goiás. Na cidade de seu nascimento, fundou e dirigiu A Capital, Nova Era e Jornal de Goyaz.

Noites goianas
Tão meigas, tão claras, tão belas, tão puras
Por certo não há!
São noites de trovas, de beijos, de juras,
As noites de cá...

A lua derrama no céu azulíneo
Seu manto de prata
E Deus, das estrelas abrindo o escrínio,
No céu as desata...

Em Nice, em Lisboa, na Itália famosa
Tais noites não há...
São noites somente da Pátria formosa
Do índio goiá...

As noites goianas são claras, são lindas,
Não temem rivais!
Goianos! Traduzem doçuras infindas
As noites que amais!...

Goianos as sonham, da Pátria saudosos,
Nas terras de lá...
São noites de risos, de afetos, de gozos,
As noites de cá...

Pela circunstância da morte de Joaquim Bonifácio, Egerinêo Teixeira escreveu em seu A Roça de janeiro de 1924 um obituário lamentando a passagem do amigo. Para encerrar, transcrevemos esse texto:

“J. BONIFÁCIO
Na velha cidade de Bonfim, em dias de novembro próximo, baixou ao silêncio eterno do túmulo o meigo cantor das ALVORADAS.
Um justo estremecimento de dor abalou profundamente toda a população civilizada da terra goiana e o crepe da amargura, da viuvez inconsolável, rolou pesadamente sobre as nossas letras inundando-as das trevas sufocantes de um luto cerrado.
Poeta, jornalista e historiador de alto mérito J. Bonifácio foi com tudo um sertanejo modesto se que nunca se pesasse, nem ao de leve, a humilde condição de escritor provinciano. Insulado no seu recolhimento precioso de artista a que o abrigava o seu espírito de eleição legou-nos o pranteado morto, onde outras obras de valor alto preparadas com estudos profundos: ‘História de Goyaz’ e ‘Diccionario Historico e Geographico de Goyaz’, infelizmente ambas ainda inéditas.
‘A Roça’, ferida, também pela grande perda, que acaba de sofrer o nosso Estado, associa-se à imensa mágoa de todos os goianos e deixa cair sobre a tumba do ilustre morto o preito de sua saudade eterna. E.T.”

ANSELMO PEREIRA DE LIMA

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