Provavelmente uma das leis mais importantes que tenham impactado a Orizona e outros municípios goianos no século XX foi o Decreto-Lei nº 8.305, de 31 de dezembro de 1943, que deliberou sobre as mudanças administrativas e jurídicas dos municípios goianos. Foi assinada pelo interventor federal Pedro Ludovico Teixeira. O decreto-lei tinha validade semelhante a uma lei ordinária. Na época, da regência de um regime de exceção, os poderes dos governos eram amplos.
O município de Campo Formoso havia recebido telegrama (imagem abaixo), enviado pelo Conselho Nacional de Geografia em outubro de 1943, na pessoa de seu presidente Humberto Ludovico Teixeira, dando prazo para que se apresentasse uma proposta de mudança do nome da localidade em dez dias, sendo que esse nome não poderia ser igual a outro existente no país, ser estrangeiro, composto ou homenagear pessoa viva. Pelo prazo dado, é possível imaginar na ‘sinuca’ que ficou o prefeito José da Costa Pereira. Ninguém muda o nome de uma cidade em dez dias.
A Prefeitura (sede da Prefeitura na foto acima/ IBGE) promoveu um concurso e algumas propostas foram apresentadas, sendo que a vencedora foi ORIZONA, termo do latim que significa "Região do Arroz". O termo surgiu da junção do prefixo "oriza", que significa Arroz, e do sufixo "zona", que significa Região. Passada a escolha, no prefeito Zequinha Costa e o médico Raphael Leme Franco, autor da proposta, tiveram que passar o restante de suas vidas respondendo a acusações e opositores e tentando justificar a validade do novo nome, seja em conferências, no plenário do Congresso ou em páginas de jornais e revistas. Foram muitas as vezes que Zequinha se correspondeu com linguistas, colhendo opiniões a respeito.
Dois grandes opositores de primeira ordem foram o padre José Trindade da Fonseca e Silva (Cônego Trindade), na época pároco em Campo Formoso, e o notável Benedicto Silva. A principal justificativa é que filologicamente, a justaposição não existiria. Cônego Trindade, por exemplo, afirmou:
“No dia nove de janeiro de 1934 o autor dessas linhas tomada, digo, tomava posse da piedosa paróquia de N. Senhora da Piedade de Campo Formoso, hoje erradamente um decreto ditatorial mudou para o ‘bárbaro’ antefilológico e errado ‘Orizona’, como significando “zona de arroz”. Orizania sim, e nunca Orizona. Vid trabalho nosso em O Anápolis, em que transcrevo carta de opinião sobre o ‘bárbaro’ nome. Cartas dos melhores gramáticos do Brasil: Sá Nunes, Napoleão Tôrres e Antenor Nascentes”.
A crítica de Benedicto Silva (foto abaixo/ FGV) talvez tenha a sua motivação baseada em um aspecto pessoal, nostálgico. No seu prefácio do livro “Tempos de Ontem” (1972), de Nelly Alves de Almeida, chamou Campo Formoso de sua ‘cité engloutie d’Is’ (a cidade submersa):
“Campo Formoso! Como sou fiel a esse nome! Por que? Porque evoca a meninice, a gostosa ‘aurora da vida’, os mergulhos no ‘Poço Alegre’, o Mestre Mesquita, os sapos que o Hastímphilo trazia nos bolsos, o bodoque do Guido, as barbas e as vacas de ‘Sêo’ Jeremias, as galinhas de ‘Mota Velha’, o tapume vivo de Joana ‘Ridulêra’, as jabuticabas do ‘Tio’ Roldão, os fogos de vista do Roque ‘Fogueteiro’ nas Festas do Divino, a estranha linguagem do ‘Mocha-mochaeu-moché’, a viola incrivelmente enfeitada da Ana ‘Priquita’, as pescarias com o Alfeu, a primeira namorada, o milheiro de adobes de muro (15 quilos cada um) que fiz, aos 10 anos de idade, para o farmacêutico abastado Euclides Tolentino Bretas por 20$000 (vinte mil réis), amassando com as pernas finas e carregando nas mãos, sozinho, 15 toneladas de barro, e tantas, tantas outras reminiscências entesouradas como relíquias intransferíveis e fervilhantes no fundo da memória”.
Uma discussão também se viu nas páginas do jornal O Popular, onde a publicação de alguém com um viés de pensamento era prontamente respondido. Em defesa novo nome, da cidade que governava, José da Costa Pereira escreveu à revista Oeste de fevereiro de 1944 (edição número 13) o breve ensaio “Orizona”:
“Não desejando impor a minha vontade exclusiva em assunto tão importante; e, como se tem preferido nomes tupicos a casos semelhantes, lembrou-me o ‘Dicionário da Língua Tupi’, de Gonçalves Dias, lancei mão desse vocabulário e organizei lista de nomes, assim indígenas, a se proporem à escolha por parte de intelectuais e de comerciantes, aqui residentes.
Antes, como importava, procedi à supressão dos ‘nomina locorum’, inscritos, já, no livro ‘Divisão Territorial dos Estados Unidos do Brasil’, bem como à dos que figuravam no ‘Guia Levi’.
Submetida a lista à mercê de quem quisesse opinar, médico local, sabidamente douto, propôs o acréscimo dos seguintes:
ORIZONA e Jubara.
Elegeu-se, por maioria de votos, Orizona, isto é, recebeu este 24 votos, quando Orizona 8, Manhana e Caruaba 5, Coema e Porangatu 4, Potira e Jubara 3, conforme apuração devida e rigorosamente fiscalizada”.
Para justificar a escolha, o prefeito e intelectual recorreu a autores como Ribeiro de Vasconcelos, Olavo Bilac, Mário Barreto, Sá Nogueira, Cândido Figueiredo, Virgílio e Fagundes Varela. Também lembrou da apresentação da proposta do nome por Dr. Raphael Leme Franco: “Entretanto ao médico local, douto, muito douto, ao apresentar o topônimo Orizona, de outra forma de composição assaz simples. Tomou do papel, da pena e grafou: ‘oriza’ + ‘zona’ – ori(za) zona. Da mesma sorte se deriva idolatra de ídololatra e bondoso de bondadoso”. Zequinha (Foto acima/ Danilo Borges) observa que ‘Orizona’ postula ‘oriza’, que significa ‘de arroz’, como Mariana ‘de Maria’. Também defende que seja um gentílico latino, e não do Tupi, como estava na ‘moda’ modernista. Sobre proposta do Cônego Trindade, acrescenta que ‘Arizania’ seria uma proposta impossível de sustentar.
O mesmo também acredita também que trazer gramáticos e filólogos para a mesa de debates seria fastidioso, uma forma de fuga. Por fim, defende que “Campo Formoso é cidade, sede de município que produz bastante arroz: e este, com a pecuária, canaliza dinheiro aos bolsos de quase todos os habitantes, principalmente aos dos pequeninos, maioria. Eis a razão por que vai se chamar ORIZONA”. E assina o texto com ‘Campo Formoso – Goiás’, apesar de já ser Orizona.
Outros municípios reverteram posteriormente o nome. Um exemplo foi Bela Vista, que passou a se chamar Sussuapara com o decreto-lei e depois voltou a ser Bela Vista de Goiás. Santa Cruz também passou a ser Santa Cruz de Goiás. Talvez, se houvesse o interesse dos gestores da época, o nome teria sido revertido. Mas aí seria outra coisa, tal como foi o desvio da ferrovia para longe da cidade.
Gosto tanto de Campo Formoso quanto de Orizona. Entendo que abrir mão deste é equivalente ao que aconteceu com Caiapônia, um belo nome para um município, mas que antes se chamava Rio Bonito, um nome mais belo ainda. E Orizona, não poderia ser Campo Formoso de Goiás, da forma que já era chamada por muitos na época? É interessante que o nome Orizona não tem significado parecido com Arizona, o Estado americano, de grafia muito parecida. Arizona pode ser ‘pequena fonte’ (do O'odham), ‘árida zona’ (do Castellano) ou ‘propriedade de prata’ (do Asteca). São palavras parecidas, mas distantes.
É certo que nessa altura, não fará diferença para ninguém se é Orizona ou se é outro nome. O que está em questão nesses debates são as disputas políticas, onde cada um e cada uma quer sobressair, em benefício próprio. O que vale de verdade é a vida concreta das pessoas, as suas relações sociais, filosóficas (muitos não saberão onde entra isso em suas vidas), culturais, econômicas e espirituais.
ANSELMO PEREIRA DE LIMA
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