Se
o cenário político em Campo Formoso (Orizona) foi tenso na década de 1910, por
conta das disputas territoriais com os municípios vizinhos, internamente as
coisas iam muito bem até o final da década de 1920. Sobre isso, o bacharel em
Direito e escritor Cillenêo de Araújo (Leo Lynce) comenta em texto para o
jornal A Roça, em janeiro de 1924 [1]:
“Porque a política, ou para dizer como o velho Rui,
a politicalha, tão nociva às localidades do interior, está fora das cogitações
dos campoformosenses. Morto José da Costa, o saudoso e querido chefe
daquele povo, ninguém disputou o penacho, que andou de mão em mão
como um presente de grego, até que, um dia, premidos pela necessidade de se
entenderem com os governantes, os homens mais graduados do lugar se reuniram e
obrigaram Abilon Borges, moço inteligente e estimadíssimo, a
aceitar as funções, tão cobiçadas alhures, de leader da
política local. E o Abilon vai se conduzindo admiravelmente nesse posto”.
Do
ponto de vista econômico e tecnológico, muitos avanços aconteceram nesta última
década: Pio José da Silva e um grupo de parceiros construiu a estrada entre a
estação do Roncador e a cidade de Santana das Antas (Anápolis) no primeiro ano
da década de 1920 e a estrada até Ubatã no final da década. Em 1923, os trilhos
da ferrovia chegaram a Ubatã. Também naquele ano começou as tiragens do jornal A Roça, de Egerinêo Teixeira, que tinha
como objetivo valorizar as iniciativas locais e não por acaso, foi pioneiro das
ideias difundidas pelo Modernismo paulista, especialmente do pensamento de Menotti Del Picchia.
Em 1926, José Albino de Oliveira trouxe a energia elétrica e em 1928, foi
inaugurada a estação ferroviária de Ubatã, bem como chegou a linha do
telégrafo, facilitando sobremaneira as comunicações. Tudo isso permitiu um
impressionante desenvolvimento econômico do município entre as décadas de 1920
e 1940.
Em
nível estadual, o governo estava nas mãos das forças caiadistas e de seus
aliados desde o movimento de 1909. Em nível de Brasil, as coisas não iam muito
bem. A Primeira República dava sinais de crise desde muito antes e a quebra da
Bolsa de Nova Iorque em 1929, afetando seriamente a economia brasileira, foi o
estopim para o que viria posteriormente. Em 1930, o movimento armado liderado
pelos Estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul tomou o poder,
depondo o presidente Washington Luiz em 24 de outubro de 1930, impediu a posse
do presidente eleito Júlio Prestes e colocou na presidência o líder gaúcho
Getúlio Vargas.
Em
Goiás, partindo de Rio Verde e com o apoio das forças mineiras, o grupo armado
chegou à cidade de Goiás, permitindo que Pedro Ludovico Teixeira se ascendesse
ao governo estadual, como interventor federal nomeado por Getúlio, reproduzindo
em Goiás o que acontecia em nível nacional. Como ocorre na velha política
oligárquica predominante historicamente em que prevalece a velha máxima ‘aos
amigos tudo; aos inimigos a força da lei’, com a Revolução/ Golpe de 1930, a
família Caiado e seus aliados foram praticamente banidos do Estado de Goiás.
Em
1930, a região da Estrada de Ferro era de longe a principal força econômica
estadual. Com a nova conjuntura política, as relações de poder alteraram com o
apoio das lideranças desses municípios e o cenário, antes tranquilo, tornou-se
muito conturbado nesta década. Em Campo Formoso isso pode ser claramente visto
pelo burburinho nos veículos de comunicação da época e por alguns
acontecimentos.
Pedro
Ludovico, no início da década, implantou algumas novidades que provocaram
aplausos em seus apoiadores e insatisfação nos adversários. Entre as ações,
lançou em 1933 a pedra fundamental de Goiânia, que se tornaria a nova capital.
Em agosto de 1935 foi promulgada a nova Constituição Estadual. Qualquer crise
nos municípios era o suficiente para que o interventor federal exonerasse o
prefeito e nomeasse um substituto.
Um
fato político provocador de intrigas foi o surgimento de uma nova oposição,
composta por antigos apoiadores do movimento de 1930. Liderado pelo deputado
federal Domingo Neto de Vellasco tornou uma força política de oposição a Pedro
Ludovico no ano de 1933. O deputado, que antes participara do movimento junto
com o grupo de Ludovico e era uma de suas referências nos quatro primeiros anos de governo, tinha se voltado contra Ludovico. O jornalista Vellasco desejava ser eleito governador constitucional, mas viu seus interesses decaírem com o pleito do interventor para o mandato. Assim, aliou-se à família Caiado e começou a se opor duramente contra a mudança da capital, alegando que era um custo que as contas estaduais não poderiam arcar. Em
Campo Formoso, tinha o apoio, entre outros, de Egerinêo Teixeira, Euclides
Bretas e Dr. Raphael Leme Franco. Como Vellasco tinha no município uma base
importante, a localidade passou a ser um dos centros das ferrenhas disputas
políticas no Estado.
A
figura de Egerinêo Teixeira ficou muito marcada por seus textos ácidos e
provocativos na imprensa goiana e mineira na época. Tornou-se praticamente persona non grata do interventor
federal. Egerinêo escrevia de forma feroz em alguns jornais, como o Lavoura e Commercio (Uberaba) e O Ipameri (Ipameri). Imediatamente, era
respondido por alguns governistas, como o ex-juiz de Direito e deputado Mário de Alencastro Caiado, verdadeiro proprietário
do jornal Voz do Povo.
Outro
fato que causou muita tensão em Campo Formoso foi entre o prefeito Públio de
Souza e o cidadão Antenor Alves Pinheiro, dentro do prédio onde funcionava a
Prefeitura, no largo da Matriz. O 2º tenente Públio de Souza veio de Santa
Luzia em julho de 1933, depois de ter sido prefeito interventor naquela
localidade. Pedro Ludovico sempre o enviava para localidades que exigiam uma
postura firme do administrador municipal. Chegando a Campo Formoso, implantou o
seu jeito autoritário de governar e foi acusado pelo grupo do interventor e por
Mário Caiado de ter aderido à política de Vellasco [2].
Públio
de Souza determinou, por exemplo, que os proprietários de imóveis da cidade devessem
limpar totalmente os lotes e retiram todas as árvores frutíferas dos quintais. Além
disso, as crianças com famílias com suspeita de Leishmaniose não poderia
frequentar a escola. Isso porque havia na cidade um surto da doença. A decisão
atingiu aos filhos de Antenor Pinheiro, que deslocou até a cidade de Goiás,
realizou exames médicos nos filhos e retornou a Campo Formoso com um laudo de que
estes não estavam doentes e poderiam frequentar a escola.
Em
dia de setembro de 1933, Antenor foi logo de manhã à prefeitura para mostrar os
exames e exigir que seus filhos fossem às aulas. O prefeito ficou muito
irritado de ser desafiado e entrou em luta corporal com o cidadão. Além disso,
desferiu vários tiros contra mesmo, que teve a sorte de não ser atingido com
gravidade. Após o ocorrido, Pedro Ludovico não tardou em remover o tenente de
Campo Formoso. Posteriormente, Públio foi prefeito em Catalão.
Uma
prova de quanto o cenário político na década de 1930 era tenso e a mão do
interventor era ‘pesada’, foi a quantidade de prefeitos que Campo Formoso teve em
um curto período de tempo:
-
Euclides Tolentino de Figueiredo Bretas, o mais longevo nesse período, governou
de 20 de dezembro de 1930 a março de 1933;
-
Alpheu Caixeta governou de 18 de março de 1933 a julho do mesmo ano;
-
Públio de Souza, que fora prefeito em Santa Luzia, tomou posse em julho de 1933
e ficou até dezembro daquele ano;
-
Júlio de Castilho Guimarães, ex-prefeito de Pilar, tomou posse em 25 de
dezembro de 1933;
-
Aguinaldo França (Guinu) foi prefeito entre 21 de julho de 1934 e maio de 1935;
-
O Tenente Livertino Leão Sobrinho tomou posse em 30 de maio de 1935;
-
João Sampaio da Silva foi prefeito de 28 de julho de 1935 até a posse de
Egerinêo Teixeira em 04 de janeiro de 1936.
Com
a Constituição Estadual de 1935, foram convocadas eleições municipais no final
do ano. Em Campo Formoso, Maurity Silva se propôs ao pleito pelo lado governista,
enquanto Egerinêo Teixeira foi candidato pela oposição. Vendo o andamento do
processo eleitoral, com a conjuntura favorecendo claramente seu amigo e
adversário Egerinêo, Maurity abdicou da candidatura a prefeito. Desta forma, o
jornalista foi aclamado prefeito de Campo Formoso.
Egerinêo
Teixeira foi empossado em 04 de janeiro de 1936. Na ocasião também tomaram
posse os integrantes do Conselho Municipal, equivalente a Câmara de Vereadores.
No dia seguinte foi eleita a direção do Conselho, tendo como presidente,
Rodolpho Fernandes de Castro; vice-presidente, José Leveriano dos Reis; 1º
secretário, Garibaldi Teixeira; e 2º secretário, Maurílio de Souza. Também
integravam a casa os conselheiros Asclepíades R. Porto, Germiniano Pereira
Braga e Maurity Silva. O jovem Alcino Bretas ocupava a função de auxiliar de
secretaria no legislativo.
Egerinêo
foi o primeiro e único prefeito a ser eleito no município até 1945. Isso porque
com o Estado Novo em 1937, um golpe dentro do golpe, dado por Getúlio Vargas, as
Constituições de 1934 (Federal) e 1935 (Estadual) foram revogadas, assim como foram
cassados os mandatos em vigência. Contudo, Pedro Ludovico se manteve como
Interventor Federal e nomeou Egerinêo Teixeira para continuar prefeito, através
do Decreto nº 11, de 30 de novembro de 1937.
Partimos agora para o fato mais
grave na política de Campo Formoso na década de 1930. Foi o assassinato de
Egerinêo por Benedito Almeida em 06 de junho de 1938, por uma questão supostamente
envolvendo a concessão de um cartório para o autor dos disparos, que era parte
interessada, nas ficaram dúvidas se o homicídio não fora por mando de seus
adversários políticos. Benedito praticou o crime no largo da Matriz de Nossa
Senhora da Piedade com a presença de muitas testemunhas. Após o ato, fugiu. A
polícia instaurou inquérito, que foi presidido por Hamilton Barros Vellasco,
delegado de polícia e promotor de justiça na Capital. Impressionantemente, o júri
da Nova Capital (Goiânia) entendeu em 12 de dezembro de 1938, por seis votos a
um, que Benedito Almeida não era responsável pela morte do prefeito de Campo
Formoso. O caso, que causou grande comoção em Campo Formoso, provocava agora,
muita perplexidade por seu desfecho.
Com a morte de Egerinêo no
exercício de seu mandato, ficou como encarregado do expediente da prefeitura de
Campo Formoso seu sobrinho Geraldo Araújo Valle. A função perdurou até 16 de
setembro de 1938, quando tomou posse, nomeado por Pedro Ludovico, o professor
José da Costa Pereira. Zequinha Costa foi mantido no cargo até outubro de 1945,
quando um golpe de Estado derrubou Getúlio Vargas e como consequência, o
Interventor Federal em Goiás e os prefeitos nomeados.
Esse último período, até mesmo
pela comoção causada pelo assassinato do jovem prefeito, a repressão do Estado
Novo, além do espírito conciliador de José da Costa Pereira, finalmente acalmaram
um pouco os ânimos em Campo Formoso. Fatos polêmicos e com repercussão não
foram registrados naqueles anos.
ANSELMO PEREIRA DE LIMA
(E-mail: anselmopereiradelima@gmail.com)
Referências,
Fontes Documentais e Notas:
1.
Ver: Jornal A Roça, Campo Formoso - Atual Orizona/GO - Ano I, N. 3, 8 de
janeiro de 1924.
2. Ver: Voz do Povo. Ano VIII. nº 316. p. 01, de 11 de fevereiro de
1934.
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