Não sou muito adepto da prática de dar nomes de agentes públicos e personalidades a locais e prédios públicos. Contudo, acredito que é preciso fazer justiça e memória à contribuição de determinadas pessoas ao desenvolvimento local.
Em
Orizona, vemos ao longo dos anos aparecerem em placas de inaugurações, nomes de
pessoas que não tem propriamente o perfil de ter dado grande contribuição à
coletividade municipal. Boa parte das vezes, os nomes que aparecem são de
correligionários ou familiares dos administradores ou legisladores municipais,
praticamente com o propósito de deixar evidente o nome da família ou a presença
deste ou daquele partido político.
Digo
isso para dar visibilidade a um quase injustiçado em nosso meio e que os atos e
intervenções contribuíram muito para a emancipação local no final do século XIX
e início do século XX: o padre Gomes Pereira da Silva.
Padre
Gomes, que foi vigário em Santa Cruz e Bomfim (Silvânia), interviu sobremaneira
no processo de emancipação política de Campo Formoso (Orizona) e contribuiu
para a criação da freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso.
Padre
Gomes substituiu em 1890 a figura extremamente relevante de Antonio Luiz Braz
Prego no governo espiritual da paróquia de Santa Cruz, sendo mais tarde
transferido para Bomfim, ainda assistindo a Santa Cruz, antes que viesse a
falecer em abril de 1914.
Era
natural de Santana de Campos Ricos (Anápolis) e a sua inteligência e caráter
eram destaques, conforme se vê neste fragmento de texto publicado em O Publicador Goyano em setembro de 1885 [1]:
“Esteve entre nós durante o mês de
agosto p. p. o Reverendo Padre Gomes Pereira da Silva, lente do Seminário
Episcopal desta Província, que veio aproveitar as férias no meio de seus
parentes e amigos. Os poucos dias que aqui esteve foram suficientes para nos
dar a conhecer nele o protótipo de verdadeiro sacerdote, cheio de virtudes e
inteligência cultivada; não podia deixar de captar as simpatias de todos que
tiveram a virtude de o tratar; retirando-se nos deixou a todos saudosos.
Campos Ricos, 02 de setembro de 1885”.
Gomes
fez seus estudos iniciais no Liceu de Goiás, conforme consta em frequência de
1867[2]. No ano de 1873, o jovem realizou exames do Seminário
Episcopal Santa Cruz, sendo aprovado plenamente em Francês. Também consta que
fez exames de suficiência em Latim[3].
A
sua fluência era tão significativa em Francês, que se tornou, mesmo sendo
seminarista, professor da disciplina. Um relatório de 1875, consta que
ministrava aulas para 47 alunos[4]. É bom destacar que não apenas os
jovens com vocação religiosa se matriculavam no Seminário, mas os jovens de
famílias abastadas também tinham a possibilidade de fazê-lo, uma fez que se
tornou uma instituição muito conceituada em Goiás.
No
final do ano letivo de 1875, temos um relatório em que apresenta o desempenho
de Gomes no Seminário Santa Cruz. Consta que foi aprovado plenamente em
Filosofia, Retórica, História Universal, Física e Latim. Também foi aprovado em
Geografia Física e Política, Astronomia, Aritmética, Gramática, Francês e
Catecismo[5]. No início de janeiro de 1876, o jovem seminarista
participou de solenidade de aniversário do Seminário Episcopal.
Na
ocasião foram premiados os estudantes com melhor desempenho. Gomes era
brilhante, só não conseguiria superar seu colega João Teixeira Alvarez (pai do
interventor Pedro Ludovico Teixeira), um dos homens mais impressionantes a
pisar em solo goiano. Gomes foi naquele dia premiado na disciplina de Geometria
do Espaço e teve oportunidade de fazer discurso, em nome dos colegas, em
agradecimento ao bispo diocesano, ao padre reitor e aos professores[6].
Por
algum motivo que não é de nosso conhecimento, Gomes Pereira da Silva deixou o
Seminário em 1877 e retornou para Santana das Antas (Anápolis), onde assumiu
como professor da escola pública da freguesia, na época, município de
Meia-Ponte (Pirenópolis). Lá, foi professor interino de 08 de agosto de 1877 a
31 de maio de 1878, quando abandonou a função e foi ministrar as disciplinas de
Aritmética e Francês no Colégio Senhor do Bomfim, em Entre Rios (Ipameri)[7].
Gomes retornaria ao Seminário Episcopal nos primeiros anos da década de 1880,
quando concluiu a sua formação.
Além
do trabalho eclesiástico, em Santa Cruz exerceu o serviço público como coletor
(1890). Também foi nomeado membro do Conselho de Intendência de Santa Cruz em
1891 [8]. Politicamente, militava na época pelo Partido Republicano
Federal.
Quando
padre Gomes chegou a Santa Cruz, o arraial dos Corrêas se desenvolvia a pleno
vapor e contava com o empenho de importantes lideranças locais. O próprio padre
Prego colaborou muito para o desenvolvimento da região, uma vez que contava com
uma comunidade católica muito engajada. Essa postura dos moradores também
contribuiu para o seu fortalecimento político.
Segundo
entende-se pelas anotações dos padres Ramiro de Campos Meireles e José Trindade
da Fonseca e Silva (Cônego Trindade) nos livros de Tombo nº 1 e 2 da Paróquia
Nossa Senhora da Piedade, a atuação de padre Gomes contribuiu para que os
Corrêas fossem elevados a distrito de Nossa Senhora da Piedade de Campo
Formoso. Ainda de acordo com essas anotações, Gomes defendeu que se adotasse
“Campo Formoso”, nome já usual pelos moradores de Santa Cruz e região.
De
acordo com os estudos do professor Olímpio Pereira Neto [9], na
última década do século XIX, durante o ministério do padre Gomes, a paróquia de
Santa Cruz recebeu entre outras, missões dos frades dominicanos Gil Vila Nova,
Joaquim Mastelam, Ângelo e Manuel Maria.
O
professor Luiz Ferraz, importante cronista de Campo Formoso na época, registra
em texto de julho de 1891, ao jornal Estado
de Goyaz [10], que padre Gomes Pereira da Silva era incansável
no trato com seus compromissos.
Ao
se referir aos festejos de Nossa Senhora da Piedade e Divino Espírito Santo,
realizados entre os dias 25 e 26 de julho daquele ano, elogiava a animação do
evento, que contava com grande presença da comunidade adjacente à Capela dos
Corrêas e dos esforços dos festeiros. Sobre padre Gomes, observa que o mesmo
esteve em todos os momentos do festejo, demonstrando robustez, zelo, além de
uma exuberante oratória nas suas homilias.
Sobre
a elevação de Campo Formoso à Vila, através da lei nº 272, de 12 de julho de
1906, não temos certeza sobre a contribuição de padre Gomes no processo
político. Contudo, sabemos do seu papel desempenhado para a criação da paróquia
de Nossa Senhora da Piedade. Atuou junto ao bispo da Arquidiocese de Goiás, D.
Prudêncio Gomes da Silva, até que fosse viabilizada a criação da freguesia de
Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso, através de decreto diocesano datado
de 1º de julho de 1912.
O
primeiro vigário da paróquia foi Pe. Julião Calzada [11]. A
instalação da freguesia contou com a presença dos padres Julião e Gomes, e
aconteceu através de celebração realizada em 31 de agosto de 1912 e presidida
por padre Gomes, que leu o decreto e fez pronúncia alusiva ao ato.
Outra
contribuição de padre Gomes se deu em 1913, quando os ânimos estavam acirrados
entre Campo Formoso e Santa Luzia (Luziânia), por questões da disputa do
território entre os rios Corumbá e Piracanjuba. Quando em janeiro daquele ano
os embates chegaram à jurisdição das duas paróquias, Pe. Gomes, que estava em
Bomfim, foi acionado e pode mediar o conflito no âmbito da Igreja.
Portanto,
Pe. Gomes Pereira da Silva deu sua importante contribuição na consolidação de
Campo Formoso enquanto município e paróquia. Os fatos citados são os de que
temos conhecimento, sem levar em conta outros importantes acontecimentos e que
caíram no esquecimento. Sem dúvidas, se legado será permanente em Orizona.
ANSELMO PEREIRA DE LIMA
(E-mail: anselmopereiradelima@gmail.com)
Referências, Fontes Documentais e Notas:
1.
Ver: O Publicador Goyano. Ano I, N. 30. Goiás/GO, 19 de setembro de 1885.
2.
Ver: Correio Official de Goyaz. N. 202. P. 04. Goiás/GO, 12 de novembro de 1867.
3.
Ver: Correio Official de Goyaz. N. 01. P. 04. Goiás/GO, 10 de janeiro de 1874.
4.
Ver: Correio Official de Goyaz. N. 50. P. 01. Goiás/GO, 17 de julho de 1875.
5.
Ver: Correio Official de Goyaz. N. 97. P. 02 e 03. Goiás/GO, 31 de dezembro de
1875.
6.
Ver: Correio Official de Goyaz. N. 03. P. 02 e 03. Goiás/GO, 15 de janeiro de
1876.
7.
Ver: Correio Official de Goyaz. N. 54. P. 01. Goiás/GO, 17 de agosto de 1878.
8.
Ver: O Estado de Goyaz: Orgam do Partido Republicano Federal. Ano I, N. 04.
Goiás/GO, 27 de junho de 1891.
9.
PEREIRA NETO, Olímpio. Orizona: Campo e Cidade. Ed. Revista e aumentada.
Orizona, 2010. 372 p.
10.
Ver: O Estado de Goyaz: Orgam do Partido Republicano Federal. Ano I, N. 11.
Goiás/GO, 13 de agosto de 1891.
11. Padre Julião Calzada veio da Espanha com toda sua família, fixando
residência definitiva em Santa Cruz. Nasceu em 17 de fevereiro de 1873 e
faleceu em 17 de abril de 1926, com 53 anos de idade. Foi sepultado junto ao
altar-mor da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Santa Cruz. Governou a
paróquia de Campo Formoso de agosto de 1912 a março de 1914. In: ALVES, Joaquim
Rodrigues. Santa Cruz de Goiás: Sinopse Histórica. Goiânia: Emater-GO, 1983.
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