segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

360 Anos: Anotações sobre a história dos Correios no Brasil

Neste dia 25 de janeiro de 2023 fizeram 360 anos de trajetória dos Correios no Brasil, o serviço mais antigo de nosso país. Serviram um muitas ocasiões para encurtar as distâncias das capitanias e depois províncias, na maioria muito isoladas da Côrte de Salvador e posteriormente do Rio de Janeiro. Muitas das estradas do interior do país foram abertas para atender as necessidades desse serviço. Mas ao falar de Correios, não podemos misturar com a atual autarquia federal (ECT), criada em 20 de março de 1969 com o Correio-mor, de 25 de janeiro de 1663.
De acordo com Paulo Novaes, da página Agências Postais, foi no reinado de D. Afonso VI de Portugal, que o regimento de 25 de janeiro de 1663 nomeou o Alferes João Cavalleiro Cardozo para o cargo de Correio da Capitania no Rio de Janeiro, criando oficialmente o serviço postal no Rio de Janeiro (e no Brasil). Nesse dia é comemorado o aniversário dos Correios e também o Dia dos Carteiros.
Antes de 1798, o ofício de Correio-mor estava nas mãos da família Gomes da Mata, que comprou o ofício de Correio-mor em 1606. “Em 1797 um decreto da Coroa Portuguesa estatiza e centraliza os serviços postais, subordinando-os ao Ministério da Marinha e Ultramar. Com isso inicia-se o processo de organização postal oficial pelo Alvará de 20 de janeiro de 1798, cujos preceitos seriam adotados pelo Brasil por Ato de 24 de abril de 1798 com a instalação da Administração do Correio da Corte e da Província do Rio de Janeiro, sediada no Paço dos Vice-Reis (mais tarde Paço Imperial)”[1].
Brasão do Correio no tempo do Império.
Em consonância com Mayra Calandrini Guapindaia[2],
As reformas dos correios fizeram parte de um conjunto amplo de ações executadas pelo ministro da Marinha e Ultramar, dom Rodrigo de Sousa Coutinho. O principal propósito dessas transformações era recuperar as receitas de Portugal, devido ao desgaste financeiro provocado pela guerra com a França. Para dom Rodrigo, as relações econômicas entre o Reino e seus domínios imperiais, especialmente a América portuguesa, tinham grande importância. A tentativa de reequilíbrio financeiro da metrópole era permeada pelo bom aproveitamento do espaço americano, seja no sentido da melhor administração, das transações comerciais ou na questão da cobrança de impostos. Assim, uma das primeiras ações de dom Rodrigo ao assumir a Secretaria da Marinha e Ultramar foi a inauguração do Correio Marítimo entre Reino e domínios em 1798, instituição que auxiliaria tanto na manutenção da comunicação à distância, essencial para o comércio, quanto na recolha fiscal, por meio da arrecadação dos portes das cartas”.
No final do século XVIII, a Coroa usou como estratégia, a apropriação das antigas estradas que cortavam o interior do Brasil e que chegavam às vilas existentes. É fato que naquela época e infraestrutura de estradas e pontes era precária. Coincidindo com a crise do ouro, utilizaram as estradas da mineração, além das hidrovias existentes.
Caixa postal da Primeira República.
Guapindaia registra que essas rotas de integração e o conhecimento geográfico gerado no período do auge do ouro foram reaproveitados para a fundação de rotas postais após 1798. Os governadores do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso não apresentaram, nos primeiros anos das reformas, sugestão de abertura de recovagens públicas, ou seja, novas estradas e caminhos. Se utilizaram de certa autonomia decisória para acionar vias já existentes, mas sem deixar de cumprir parcialmente as ordens da Coroa, atentando-se para a instituição de envios regulares de correios terrestres.
Ainda em 1798, o conde de Resende também apontou a necessidade do giro postal entre Minas e o Rio de Janeiro como entreposto para as cartas do Vice-reinado para Goiás. Neste sentido, na tentativa de construir uma rota postal integrada, o vice-rei indicava enviar anexo ao ofício para Bernardo José Lorena comunicação para a Junta da Fazenda de Goiás a fim de acordar as questões relativas aos correios das três capitanias.
Sede do Correio no Rio de Janeiro.
É possível perceber a urgência da Coroa Portuguesa, que buscou agilizar o cumprimento de vários encaminhamentos. O vice-rei Lorena escreveu em 11 de agosto de 1798 para Tristão da Cunha Menezes, governador de Goiás, afirmando que o itinerário deveria continuar de Vila Rica até o arraial de Paracatu. Neste ponto, os carregadores de Goiás assumiriam a mala, levando-a para Vila Boa. Os transportadores de Minas levariam a mala de Paracatu para Vila Rica, de onde deveriam ser distribuídas as missivas goianas para Minas Gerais. De lá, poderiam chegar ao Rio de Janeiro e serem enviadas para Portugal.
Vemos, portanto, a integração do giro postal, no qual desde Goiás poderia se comunicar com outras capitanias e, em última instância, com o Reino. Nesse sentido, o território goiano pode ser considerado, na definição de Russell Wood, como uma hinterland, ou seja, um local periférico com certa distância que possui continuidade territorial com um núcleo, Goiás passaria a se conectar remotamente com o mundo exterior Goiás, ligada pelas vias das Minas Gerais, conseguia este continuum com o Vice-reinado.
O caminho indicado por Bernardo José é coincidente com a Picada de Goiás, ou Caminho de Goiás. As negociações para abertura e manutenção dessa estrada datam dos anos 1730, e tinham o intuito de garantir a comunicação do sertão goiano com as Minas, tendo como principal objetivo a exploração aurífera. A passagem das Minas era feita por Paracatu para então atingir o Registro dos Arrependidos, seguindo para Vila Boa. Foi estabelecido em função da descoberta de ouro no sertão de Goiás, que em 1748 seria elevada à condição de capitania. A sua importância era de tal ordem que, em 1720 a Coroa Portuguesa estipulou a pena de morte para quem abrisse, sem autorização, outros caminhos entre a capitania de Minas Gerais e Goiás, determinações reiteradas em 1733 e 1758.
Cartão postal do séc. XIX.
Essa via iniciava-se em Pitangui, em Minas Gerais, permitindo o abastecimento da nova região aurífera, a imigração e o escoamento da sua produção mineral. O troço adiante de Meia Ponte, na estrada para Vila Boa de Goiás, prolongamento da chamada Estrada Real, era calçado. O Caminho de Goiás prolongava-se daí em diante, alcançando Vila Bela da Santíssima Trindade no sertão do Mato Grosso. No total, o chamado Caminho de Goiás estendia-se por 266 léguas (cerca de 1.596 quilômetros), separando Vila Boa (Cidade de Goiás) do Rio de Janeiro, e consumindo cerca de três meses de viagem.
Em Instruções das Juntas da Fazenda de Minas, também de 11 de agosto de 1798, percebemos a adição de mais um caminho a este roteiro: de Vila Rica, a mala seguiria para Sabará para depois atingir Paracatu, havendo troca de malas em Bambuí. Foi o chamado Caminho do Correio. Mais recente que o Caminho Velho da Minas, que era muito ruim, em 1698, o governador da Capitania do Rio de Janeiro, Artur de Sá Menezes (1697-1702), informou à Coroa Portuguesa a necessidade de se abrir um novo caminho para aquele sertão. A tarefa coube ao bandeirante Garcia Rodrigues Paes, filho de Fernão Dias Paes Leme. O trabalho foi concluído em 1700. Nesta época, o Caminho Novo era percorrido em cerca de um mês, um terço do despendido no Caminho Velho. O governador das Armas de Goiás, Raymundo José da Cunha Mattos, em seu Itinerário (1823), falava  como foi percorrer esse caminho.
Figura do Carteiro.
O caso de São Paulo permite entrever as principais justificativas para a recusa da abertura de recovagem pública. Para além do estipulado no alvará de 20 de janeiro de 1798, um aviso do ano seguinte, de autoria do príncipe regente dom João, ordenava o cumprimento da primeira lei, especificando que deveria haver abertura de via terrestre para ligar São Paulo a Goiás e Mato Grosso. A ideia por trás deste ordenamento era permitir, além da troca de correspondência, o comércio de prata com a América espanhola. Goiás e Mato Grosso eram responsáveis pelo transporte que perpassasse os as duas capitanias.
Estava previsto também o transporte pluvial entre Goiás, Mato Grosso, Pará e Amazonas. Foram realizadas viagens exploratórias na região para avaliação das condições. Em maio de 1798, a Coroa solicitou que os governadores do Pará e Goiás organizassem comunicações regulares entre suas capitanias. Tal ação, deve-se notar, fez parte de um plano mais amplo de revitalização econômica a partir da ligação entre Goiás e Pará, e que englobava a também a questão da troca de correspondência. Surgiu a Estrada do Correio do Rio para o Grão-Pará (Pará).
Atual sede dos Correios de Orizona.
Foram esses os caminhos principais nos séculos XIX que predominaram como via de trânsito das tropas de mulas que circulavam do Rio de Janeiro por Minas Gerais, até Goiás e vice-versa e de São Paulo, Minas Gerais e Goiás, no outro trecho. Normalmente, os carregadores goianos recebiam as correspondências e encomendas na última cidade mineira e na volta, encaminhava até Minas Gerais.
Na segunda metade do século XIX, temos registros do itinerário do Correio, saindo do Rio de Janeiro, passando por Minas Gerais e Goiás. Nas décadas de 1850 a 1890, o arraial dos Corrêas ou Campo Formoso era praticamente inexistente e foi se desenvolvendo com o tempo. Os moradores da região tinham, caso precisassem, que ir a Santa Cruz ou Bonfim (Silvânia), os mais próximos, para despachar ou receber correspondências.
Conforme era o procedimento, as cartas saíam do Rio de Janeiro para as províncias de Goiás e Minas Gerais entre 1857 e 1875, sendo que,
Remetem-se malas de cartas e jornais quinze vezes por mês, e em Fevereiro somente quatorze vezes, sempre de 2 em 2 dias, isto é, a 2, 4, 6, 8, 10, 12, 14, 16, 18, 20, 22, 24, 26, 28 e 30, recebendo também malas da dita província nos dias 1, 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15, 17, 19, 21, 23, 25, 27 e 29. Vai correspondência para as agências de Paraíba do Sul, Pampulha, Registro de Paraibuna, Chapéu das Uvas, Juiz de Fora, Barbacena, Queluz, Ouro Preto, S. João d’El Rei, S. João Nepomuceno, Araxá, Desemboque, Formiga, Mar de Hespanha, Oliveira, Paracatu, Patrocínio, S. José d’El Rei, Tamanduá, Três Pontas, Passos, Jacuí. Sabará, Pitangui, Mariana, Santa Bárbara, Itabira, Conceição, Serro, Minas Novas, S. João Batista, Grão Gomor, Rio Pardo, Diamantina, Formiga, Januária, S. Romão, Bonfim, Catalão, Jaraguá, Meia Ponte[Pirenópolis], Santa Cruz de Goiás, São Pedro de Alcântara e Goiás: todas essas malas são entregues

em Petrópolis para daí seguirem os seus destinos; e contrato que há para esse serviço, deve-se gastar desde Petrópolis até Barbacena 48 horas, até Ouro Preto 64 horas, e até S. João d’El Rei 75 horas
”[3].
Telegrama enviado pela Estrada de Ferro.
Conforme Jorge Seckler[4] o transporte de cartas de São Paulo para Goiás saía em 1887, de três em três dias: 3, 9, 12, 15, 21, 24, 27, 30 às 5:30 horas e chegava em São Paulo em 1, 4, 7, 10, 13, 16, 19, 22, 25, 28. As cidades goianas que recebiam as correspondências diretamente eram Bonfim, Catalão, Corumbá, Entre Rios (Ipameri), Goiás, Jaraguá, Meia Ponte, Pouso Alto (Piracanjuba), Santa Cruz de Goiás, Santa Luzia (Luziânia) e Villa Bella de Morrinhos (Morrinhos).
Acreditamos que a agência dos Correios foi instalada no período que foi elevado ao distrito policial e de paz de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso, ou seja, no início da década de 1890. Em 1904, por exemplo, era agente do Correio o senhor Abilon Borges, filho do então professor Salviano Pedro Borges, cargo que ocupou por longo tempo. Com a chegada da ferrovia na década de 1920, o serviço agilizou bastante e foi inserido a parte de telecomunicações, com a rede do telégrafo. Em 1931 o decreto nº 20.859, de 26 de dezembro de 1931, funde a Diretoria Geral dos Correios com a Repartição Geral dos Telégrafos e cria o Departamento dos Correios e Telégrafos. O primeiro ponto de telégrafos chegou em Campo Formoso depois de 1928, com a inauguração da estação ferroviária de Ubatã. Dentre os locais que funcionou a empresa, certamente a agência no endereço atual (Rua Marechal Floriano Peixoto) é a mais longeva. Foi construída na década de 1940 durante a gestão do prefeito José da Costa Pereira e restaurada teve recentemente.
Sede da ECT em Brasília.
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), o Correios atual, foi criada a 20 de março de 1969, como empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações mediante a transformação da autarquia federal que era, então, Departamento de Correios e Telégrafos (DCT). A mudança não representou apenas uma troca de sigla, foi seguida por uma transformação profunda no modelo de gestão do setor postal brasileiro.
Com as crises financeiras da década de 2010, onde os Correios fecharam com saldos negativos em alguns anos, começou a ser cogitada a sua privatização, primeiro no governo Michel Temer (PMDB) e depois no de Jair Bolsonaro (PL), sendo que o último despachou encaminhamentos para que isso pudesse acontecer. Já como primeiro ato administrativo, em 1º de janeiro de 2023, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) revogou o processo de privatização dos Correios. Para além da necessidade da sua gestão na esfera pública ou privatização, essas iniciativas governamentais estão ligadas principalmente a visão de governo. Governos liberais, de influência econômica clássica, defendem a redução do tamanho do Estado e os progressistas, de influência keynesiana, defendem a manutenção do Estado social e de atuação mais ampla.
É comum vermos casos de reclamações da população a respeito do funcionamento dos Correios. Em Orizona isso não é diferente e talvez ainda mais comum que em outras localidades. Essa empresa pública foi e ainda é essencial e tem um papel histórico no país que não pode ser comparado a nenhuma outra empresa do ramo. Que continuemos a contar com a mesma por muitos anos, esperando que seus problemas financeiros e operacionais sejam corrigidos e que satisfaça a todos os seus usuários.

ANSELMO PEREIRA DE LIMA

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1. NOVAES, Paulo. História dos Correios. In: http://agenciaspostais.com.br/?page_id=11500. Consultado em 28/01/2023.
2. GUAPINDAIA, Mayra Calandrini. Correios por estradas e rios: a tentativa de integração postal das capitanias da América portuguesa (1798-1807). In: Tempo. Vol. 28 n. 3. Niteroi/RJ. Set a Dez/2022. Pág. 178-198.
3. LAEMMERT, Eduardo Von. Almanak Administrativo Mercantil e Industrial da Corte do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Eduardo & Henrique Laemmert, 1876.
4. SECKLER, Jorge. Almanach da Provincia de São Paulo – VI Ano. São Paulo: Jorge Seckler&Comp., 1888.

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