A expressão “quem conta um conto, aumento um ponto” é tão comum que não sabemos de onde surgiu. Para ilustrar acontecimentos na história de Campo Formoso (Orizona), vou correr o risco de cometer devaneios em relação aos episódios que levaram à morte do jornalista e ex-prefeito Egerinêo Teixeira, em 06 de junho de 1938, uma quarta-feira.
Para as pesquisas de seu livro, o professor Paulo Acácio de Sousa em uma ocasião entrevistou o senhor Ivo Costa, que na época do crime era um jovenzinho e estava no largo da matriz de Campo Formoso, com outras pessoas, em local onde foi o posto de gasolina e a residência familiar do Sr. Florentino Vieira Pereira (Florentino Albino). Paulo Acácio ouviu a história e em dias subsequentes me contou em sua residência. Cheguei em casa e depois de um tempo transcrevi a mesma para um caderno. Portanto, é possível que eu mesmo tenha modificado nesse interim as informações a mim repassadas, apesar do relatado ser muito parecido com o que apareceu em jornais da época.
Conforme contam, enquanto prefeito, Egerinêo teve a atribuição de distribuir (redistribuir) os cartórios do município, conforme determinações do governo de Getúlio Vargas. A família de Benedicto Almeida (foto abaixo ao volante), um protegido de seu irmão Cylenêo de Araújo, tinha interesses em obter a concessão de um cartório, mas o prefeito não cedeu, deixando-o enfurecido e especialmente a sua esposa, Geronima Goulart de Almeida (Bebé), que tinha grande influência sobre seus atos, o pressionando a dar cabo no prefeito.
Contava-se na época em Campo Formoso, quase como uma lenda urbana, que a mulher tinha chegado a dizer ao marido:
- Ou você mata o Egerinêo, ou eu visto as suas calças e faço eu mesma.
Conforme presenciado por testemunhas, o episódio aconteceu assim:
Egerinêo descia a rua Cel. José da Costa a pé, no meio da manhã, vindo ou de sua casa ou da Prefeitura (o mesmo morava onde atualmente é a Agenfa e a Prefeitura funcionava acima do Mini Box Boca de Lobo). Benedicto estava na janela de sua casa à rua Cel. José Pereira Cardoso fumando e olhando para a praça (vivia em uma casa de residência onde hoje é a Casa dos Parafusos). Ao ver o prefeito descendo a rua no outro lado da praça, deu a volta e foi abordá-lo.
Quando o algoz alcançou a esquina (onde funciona a Casa do Fazendeiro), chamou Egerinêo que tinha passado para frente e começava a descer a rua abaixo da praça:
- Vira para que eu possa te matar.
Egerinêo virou e o mesmo atirou por algumas vezes,
sendo que cinco o atingiram: “dois pelas costas, dois de flanco e um de frente”. Dizem que o prefeito tentou revidar atirando nele alguns tijolos, mas já era tarde. Chegaram alguns populares (tinham dezenas de pessoas na praça) e Benedicto fugiu dali mesmo, atravessando o ribeirão Santa Bárbara e não mais sendo visto até mais tarde, quando se apresentou à polícia. Esta versão oral pode ser confirmada por matérias dos jornais "O Estado" (SC, nº 7.391 de 16/06/1938), "O Jornal" (RJ, de 18/06/1938), entre outros.
Após o ocorrido, a delegacia de Polícia de Campo Formoso foi designada para conduzir o inquérito, mas pela falta de celeridade e pela pressão local, foi encaminhada pela secretaria estadual de Justiça e Segurança Pública uma comissão para investigar o caso, comandada pelo Sr. Hamilton Vellasco, que saiu da antiga capital goiana (Cidade de Goiás). Permaneceram entre o final de julho e meados de agosto de 1938 e retornaram para Goiás.
Depois de apelação da defesa junto a corte de Pires do Rio no início de novembro, o júri foi transferido para Goiânia, sendo realizado em 12 de dezembro de 1938. O senhor Benedicto Almeida chegou ao Tribunal do Juri acompanhado de impressionante assistência jurídica, sendo ao final da audiência, absolvido da acusação, mesmo tendo aquele crime ocorrido na presença de grande número de testemunhas e provocado grande comoção local e nacional.
Egerinêo era um jornalista muito conceituado, colunista de importantes veículos de comunicação em Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, além de político muito atuante (de gravata borboleta na foto acima, com o Conselho Municipal de Campo Formoso). A dúvida que ficou a respeito desse caso é se o seu assassinato não teria sido um pretexto criado pelos adversários políticos, que o odiavam pela sua atuação, mas que no período que se tornou prefeito, passou a ser mais brando nas suas posições e até reduziu a atuação na imprensa. Sobre a sua atuação na imprensa os adversários o chamavam de ‘cincerro de Campo Formoso’ (cincerro=polaque).
Além de jornalista e político, foi comerciante e produtor rural, atuando, pelo que sabemos, no cultivo de algodão, arroz, bovinos e suínos. Chama a atenção um bilhete deixado na data de seu assassinato na Prefeitura, em que o colega e amigo Joaquim Marçal da Silveira combinava pegar o caminhão e irem juntos buscar uns porcos em determinado lugar. Provavelmente o prefeito não chegou a ler esse bilhete. Era também um homem muito culto, um autodidata. Deixou como herdeiras a esposa Rita Carolina Amália da Costa Teixeira (filha do Cel. José da Costa) e a filha Ofélia.
A respeito do algoz de Egerinêo Teixeira (busto abaixo), Benedicto foi posteriormente prefeito de Palmeiras de Goiás (1951-1955). Partidários do prefeito de Campo Formoso e opositores do governador Pedro Ludovico Teixeira acusavam o mesmo de ser o mandante do crime, mas não há nenhum indicativo que isso tenha ocorrido. A própria filha de Egerinêo, a professora e jornalista Ofélia Teixeira, acreditava que se não tivesse sido eleito prefeito, provavelmente o pai não teria sido morto daquela forma.
Contudo, a atividade jornalística na época era uma função de risco, uma vez que predominava o coronelismo, não totalmente cessado com o golpe de Estado de Getúlio Vargas em outubro de 1930: em 20 de maio de 1922, sábado, o jornalista Moisés Santana foi baleado na redação do jornal Lavoura & Commercio pelo prefeito em exercício de Uberaba-MG, por causa de um poema satírico de sua autoria, publicado no jornal Separação. Moisés faleceu no dia seguinte e o prefeito foi absolvido por “legítima defesa da honra” e o referido poema sequer aparecia no inquérito.
Antônio Americano do Brasil, natural de Bonfim (Silvânia), era médico, oficial do exército, político, folclorista, escritor e jornalista e foi assassinado em Santa Luzia (Luziânia) em 20 de abril de 1932, em uma contenda muito documentada, mas nunca explicada. Ambos tinham forte relação com Campo Formoso e são apenas alguns dos casos que comprovam que a atividade jornalística era mais perigosa que a política.
São feridas que aparecem em nossa história passada, mas também presente. Ainda somos “neandertais” quando se fala em tolerância. Fatos recentes, muito semelhantes a esses do passado, mostram que a nossa democracia e o nosso censo de tolerância e aceitação das diferenças precisam avançar muito.
ANSELMO PEREIRA DE LIMA
(E-mail: anselmopereiradelima@gmail.com)
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