
Cunha Mattos que era um político e militar de grande reputação,
certamente não teria motivos para criar o episódio a partir de sua imaginação,
uma vez que também estava acompanhado de uma pequena comitiva. Cunha Mattos
narra em detalhes o ocorrido e destaca em seu “Itinerario do Rio de Janeiro ao Pará e Maranhão, pelas provincias de Minas Geraes e Goiaz”(1836), que apesar de
sua vasta experiência com marinheiro e as dezenas de viagens desprendidas ao
redor do mundo, nunca tinha visto ou ouvido falar de um episódio semelhante. Em
seu Itinerário de Viagem, que apresenta o diário de sua estada na Província de
Goiás entre os anos de 1823 e 1826, o autor inclusive faz um esboço esquemático
do que se apresentava aquele fenômeno[1]. Vamos às suas observações:
“...Os caminhos desde o Rio Paranaíba até ao de S. Marcos não são bons,
mas o meu patrão informou-me que se devem preferir aos que passam pelas casas
de João dos Nunes para o Porto de Manoel Rodrigues, os quais atravessam morros
escarpados, cheios de pedras, e de trânsito perigoso para bestas carregadas. A
minha bagagem veio excelentemente pelo caminho que eu segui. A estrada, entre o
Rio de S. Marcos e a casa de Manoel João Freire, é muito boa: o terreno é de
barro vermelho, e de vários lugares desfrutam-se belíssimos golpes de vista.
Trovejou e choveu copiosamente de manhã e tarde. Quando eu estava pouco
distante do Rio de S. Marcos vi um fenômeno admirável, único em toda a minha
vida. Antes de cair a chuva formou-se ao Sul uma manga ou bomba de vento, mas
em lugar de ser vertical, como as que muitas vezes se formam sobre o mar, era
horizontal e colubrina, ou de dois arcos de círculos. Em cada um dos extremos
da bomba pegava uma nuvem muito densa e de grande extensão. Eu apresento junto
à figura que descrevia [figura acima].
O espaço que mostrara ocupar seria de 800 a 1000 braças [1.760 a 2.200 metros]; a altura acima da terra 200
braças [440 metros]; esteve assim por tempo de uma hora e logo que se foi
desfazendo, caíram torrentes d'água: formou-se pelo mesmo modo que começam as
bombas que muitas vezes aparecem no mar; e persuado-me que se dirigiu à nuvem
fronteira por efeito da atração. Eu observei mui atentamente a construção das
bombas em uma viagem que fiz da Ilha de S. Tomé a Lisboa no mês de Fevereiro de
1804. No dia 22 desse mês achando-se o navio no meridiano do Cabo de Palmas, e
na latitude meridional 25', esteve rodeado por 84 bombas às 11 horas da manhã.
Uma passou tão perto do navio, que a tromba quase babujou o costado. É certo, e
muito certo que a bomba aspira a água do mar, e que esta, quando sobe, faz
bulha como a da calha de um moinho. Mas o que causa grande admiração é o
haverem muitos homens de conhecimentos extensos, que duvidam e chegam a negar a
existência das bombas d'água ou de ar. Aqueles que ainda não tiveram ocasião de
observar de perto este meteoro, estimaram talvez souber um pouco a teoria e o
modo de se formarem as bombas. Nas estações e nos lugares onde caem chuvas copiosas,
acontece que estando as nuvens muito densas, e o vento um pouco forte, aparece
quase sempre subitamente, e às vezes pouco a pouco, em alguma nuvem grossa, uma
espécie de pirâmide ou tubo cônico cuja base fica adaptada à mesma nuvem. No
fim de quatro a cinco minutos que assim se conserva sem mudar de figura nem de
posição, desenvolve-se ou precipita-se repentinamente e com a celeridade do
raio sobre a água uma mangueira ou tubo de três ou quatro pés de diâmetro, a
qual na ocasião de ferir a água faz grande bulha, e forma uma tromba bem
semelhante à do elefante. Criada assim a bomba, principia logo o seu trabalho
de chupar a água domar em forma de linha aspiral, fazendo um estrondo que se
parece com o de uma torrente que corre por entre pedras, em quanto ao redor da
base a água só levanta em bolhas como se estivesse fervendo. A aspiração da
água faz obscurecer cada vez mais as nuvens a que a bomba está segura; e o
vento fresco obriga a mesma bomba a dilatar-se, formando um arco mais ou menos
curvado segundo a força do vento que a impele. Logo que as nuvens se acham
muito carregadas ou fartas de água, e o vento superior não tem lugar de se
introduzir na bomba, e de produzir o efeito do êmbolo das bombas ordinárias de
esgotar, começa a mangueira ou os átomos de que é composta a desfazer-se até
que finalmente desaparece. Há vários expedientes para escapar a este meteoro
pavoroso quando se aproxima das embarcações: ele é capaz de submergir a
qualquer navio, ou pelo menos deixá-lo raso se o encontrar com um pequeno bolso
de vela. Uns disparam tiros de bala de artilharia contra a bomba, outros só dão
tiros de pólvora seca: o capitão do navio em que eu me achava deu a popa ao
vento, e caminhou quase em linha paralela com a bomba que, por isso mesmo,
passou a nosso sotavento. Quando as bombas se desfazem cai uma imensa chuva que
dura algumas horas. Eu tenho visto um grande número de bombas no Mediterrâneo,
e no Mar dos Açores, mas nunca tantas como no Golfo de Guiné, e nas costas da
Serra Leoa. Na Ilha do Príncipe, formou-se uma bomba sobre o mar perto da praia
do Abade onde eu me achava e vindo tocada por vento deste, passou por cima de
várias casas da Fazenda de Antonio Henriques Nogueira, e levou consigo os
telhados, árvores e fez grandes estragos. As bombas de vento que se formam
sobre a terra são produzidas pelas mesmas causas que dão origem, às do mar; e
se poucas pessoas as descobrem, deve isso atribuir-se à tenuidade de que a
nuvem é formada. Os redemoinhos que nós vemos todos os dias,
formar-se-íam em bom se o vento achasse matéria
para isso disposta; e eu creio que a derrubada em linha seguida que no mês de
Março do ano de 1826 apareceu na Mata do Rio Paraibuna desde o Registro de
Matias Barbosa para o Norte, foi produzida por uma bomba ou tromba de vento cuja
paridade com a de água é conhecida pelas pessoas que tem alguns estudos destes
fenômenos que são menos raros do que parece. Tenho visto muitos centos de
bombas em diversos mares, todavia nenhuma delas tinha a menor analogia com a
que se formou entre o Rio Paranaíba e o de S. Marcos. Eu fiquei todo molhado, e
se não trouxesse roupa de reserva no malote da garupa, teria de vestir o fato
do meu patrão, ou ficar nu enquanto a roupa se aquentasse ao fogo. Para evitar
esses inconvenientes, deve quem fizer jornadas a cavalo trazer um malote na
garupa com uma muda de roupa, e o cantil ou frasco forrado de couro com
aguardente para lavar o corpo, e beber uma pouca, se gostar desse licor.
Ninguém se fie em criados porque na melhor ocasião dizem-lhe que lhes esqueceu
a roupa nas canastras”(p. 101-107).
Quem foi Cunha Mattos:
Raymundo José da Cunha Mattos nasceu em Faro, Portugal, em 02 de novembro de 1776 e morreu no Rio de Janeiro em 23 de fevereiro de 1839. Foi um militar, marechal de campo, político, vogal do Conselho Supremo Militar e de Justiça e historiador luso-brasileiro. Filho de Alexandre Manuel da Cunha Mattos e Isabel Teodora Cecília de Oliveira Fontes, casou-se com sua prima Maria Venância de Fontes Pereira de Melo.
Sentou praça em 1790, no regimento de artilharia do Algarve,
em que seu pai era furriel (equivalente a sargento). Combateu na Catalunha e Roussillon.
Passou para a marinha em 1796, onde continuou seus estudos de
artilharia. Em 1797 foi nomeado comandante da guarnição de São
Sebastião, na Ilha de São Tomé. Exerceu a função até 04 de agosto de 1799,
quando assumiu o exercício de primeiro tenente a que fora promovido.
Em 1805 passou a ajudante de ordens do governador e em 1811, quando já era
major, foi nomeado provedor da fazenda e feitor da alfândega.
Em 1814, como major, foi em licença para o
Rio de Janeiro, onde obteve a nomeação de tenente-coronel, retornando as
ilhas como governador. De volta ao Rio, foi deslocado à Pernambuco, onde fez
parte da expedição comandada por Luís do Rego Barreto, combatendo a Revolução
Pernambucana em 1817. Em 1818 foi encarregado de organizar
a primeira brigada miliciana, pelo general Luís do Rego, assim como a
organização das baterias de defesa da costa, encarregando-se na instrução aos recrutas
e na distribuição deles pelos corpos. Logo foi nomeado comandante geral da
artilharia de Pernambuco.
Retornou ao Rio, onde em 1819 foi nomeado
vice-inspetor do arsenal. Em 1823 foi nomeado comandante de
armas de Goiás, donde regressou em 1826 como deputado e
foi promovido a brigadeiro. Foi deputado constitucional em 1823, tendo
destacada atuação como congressista neste momento histórico. Também sustentou
voto, juntamente com Luiz Augusto May, pela extinção do comércio de escravos. Passou
pelo Rio Grande do Sul, como recrutador, nomeado pelo Marquês de
Barbacena.
Inspetor do arsenal do Exército em 1831, foi a
Europa de licença, onde no Porto foi testemunha do Cerco do
Porto, a respeito do qual escreveu um livro que editou no Brasil, episódio
da Guerra Civil Portuguesa. Retornou ao Brasil, antes do final do cerco,
em 1833, para assumir o cargo de diretor da Academia Militar. Sua
obra considerada principal é a Corografia Histórica da Província de Minas
Gerais (1837), um repositório de informações sofre a referida província,
sendo considerado um dos mais completos e ainda hoje não superados estudos a
respeito do assunto, fonte indispensável para todos aqueles que pretendem
investigar a história de Minas Gerais.
Propôs, em 1838, junto com o cônego Januário
da Cunha Barbosa a fundação do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, numa assembleia composta por vinte e sete membros fundadores. Foi
agraciado oficial da Imperial Ordem do Cruzeiro e comendador da Imperial
Ordem de Avis.
Foi autor da Corografia
Histórica da Província de Minas Gerais; Carta histórico-política-militar; Corografia
histórica das Ilhas de São Tomé, Príncipe, Ano Bom e Fernando; Ensaio
histórico-político sobre a origem; Itinerário do Rio de Janeiro ao Pará e
Maranhão pelas províncias de Minas Gerais e Goiás; Memória da campanha do Sr.
D. Pedro de Alcântara, ex-Imperador do Brasil, no reino de Portugal e; Repertório da legislação militar,
atualmente em vigor no exército e armada do Brasil.
ANSELMO PEREIRA DE LIMA
(E-mail:
anselmopereiradelima@gmail.com)
REFERÊNCIAS E FONTES DOCUMENTAIS:
1. MATTOS, Raymundo José da Cunha. Itinerario do Rio de Janeiro ao Pará
e Maranhão, pelas provincias de Minas Geraes e Goiaz – Tomo I. Rio de Janeiro:
Tipografia Imperial e Constitucional, 1836.
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