Naquela época eram poucos os artistas sertanejos de Goiás que viviam exclusivamente da arte. A maioria de nós tinha um emprego ou outra fonte de renda para se manter. Os mais arrojados, mais confiantes, faziam apresentações em cinemas e circos. Mas, os circos daquela época (nós os chamávamos de "pauleira"), que percorriam o interior do Estado, na sua grande maioria não tinham nem cobertura. Eram circos pequenos, pobres e mal organizados. Circos de touradas, precursores das grandes arenas das festas de peão hoje existentes, como as de Barretos, por exemplo.
Nos "nossos" circos, os bois que seriam "toureados" eram alugados, ou, emprestados pelos donos de fazendas da região onde o circo estivesse "fincado". No circo, não havia palco, não. A apresentação dos artistas era realizada na própria arena, após ter sido feita a retirada dos bois, do local. O som, geralmente consistia de um amplificador de pequena potência (100 Watts), uma corneta amarrada na ponta de um mastro de uns seis metros, que era fincado na frente do circo e de um microfone quase sempre de péssima qualidade, que de vez em quando dava choque pra danar. O que servia de pedestal era um fio ou uma corda amarrada de um lado no outro, numa das varas mais altas que formavam o círculo da arena, onde se pendurava o microfone.
O palhaço (que não pode haver circo sem palhaço) de pernas de pau arregimentava uns dez ou quinze garotos, que ganhariam entrada grátis no espetáculo da noite, e saía pelas ruas gritando o tradicional: "Hoje tem espetáculo"? E a rapaziadinha respondendo: "Tem sim sinhô". Enquanto o locutor, através do alto falante incitava o povo a ir assistir o "grandioso" espetáculo. E de vez em quando advertia: "Evite atropelo de última hora, adquira seu ingresso, agora".
Os compromissos entre os artistas e o dono do circo eram na base da confiança, sem contrato, sem nada. A renda do espetáculo, que era apurada na bilheteria, era no racha. Meio a meio, salvo ocasiões e acordos especiais, previamente acertados.
Existiam também, alguns circos de variedades, mas, eram poucos. Esses costumavam ser melhores, um pouquinho. Eram até cobertos, e, tinha picadeiro, o que personalizava o visual da apresentação.
Da simplicidade daqueles circos, e da cordialidade da sua gente tenho gratas recordações. Formaram uma categoria que seria pioneira, na prática de uma das mais autênticas tradições da nossa cultura popular, o circo.
Registro aqui, minha homenagem a alguns nomes que, exercendo a arte circense praticaram também, a arte de sua própria sobrevivência: "Asa Branca", "Pássaro Preto", "Benedito Pai de Família", "Jangadeiro", "Sabiá Preto", "Gaúcho Manco", "Xumbrega", "Durujão", "Irmãos Dias", "Canário da Serra", "Bertão", "Prieto", "Atanásio", "Lesco-Lesco", "Pouca Roupa", "Chaveta", "Capixaba", "Tombado", "Argentino", "Colosso", "Ferrusca", "Faixa Preta", "Espano Brasileiro" e alguns outros.
Artistas goianos, na época, que viviam exclusivamente da arte, e, que mais exerceram suas atividades no meio circense:
Bandeirinha & Goianinha
Trio da Vitória
Paulo e Paulino
Imãs Rocha
Sinval e Dalmy
Irmãs Borges
Irmãs Andrade (Não gravaram discos).
É claro que, muitos outros se aventuravam aqui e ali, mas, na maioria das vezes não se saiam bem, não. Falo por experiência própria, porque eu fui um dos que se saíram mal.
Acervo Nélia Maria Bandeira (Goianinha): Bandeirinha e Goianinha (Apresentando-se na arena de circo de tourada em 1970) |
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* Vigésimo quinto capítulo do livro "Marrequinho - O Menino de Campo Formoso", de Francisco Ricardo de Souza. Imagens: Divulgação. Publicação autorizada pelo autor. Todos os direitos reservados.
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