Evocar a memória, reviver momentos, unir pontos de contato do presente que se expressa em um determinado recorte do passado. Uma viagem empreendida pelo espírito e também pelo corpo (Bergson, 1999). Um movimento dialógico... Oscilação contínua e involuntária...
Vejo-me tal e qual o escritor Olímpio Pereira Neto em seu livro Um lugar no mapa, publicado em Orizona no ano de 1970, cujo desejo era tornar conhecida a cidade de Orizona, sua cidade natal.
Certa feita foi chamado de burro, por uma professora, ao admirar um retrato do Brasil Político fixado na parede de uma escola rural. Vendo-o admirar o “retrato”, a professora, sentada em uma cadeira, ao lado, corrigindo provas amontoadas em cima de uma rústica mesa, levantou os olhos, fitou o rapaz com ar de quem sabe mais e perguntou:
– Você entendeu?
– Sim, entendi..., é um mapa!
A imponente professora argumentou:
– Entre os mais instruídos, o nome disso aí não é “mapa”, é carta geográfica. Abaixou os olhos e continuou a corrigir as provas. Olímpio, o roceiro, aceitou a resposta e se sentiu “burro”. Ele e um primo que o acompanhava saíram dali, sem questionar. Tempos depois, Olímpio teve aulas particulares e aprendeu a ler o livro manuscrito de Felisberto de Carvalho. Seu desejo era estudar, crescer na vida intelectual, como os grandes homens da história. Perseverante e obstinado, se sentia responsável pela divulgação da terra que lhe viu nascer. A impossibilidade o sufocava:
– Como faço se nem no mapa minha cidade existe, para conseguir ao menos um ginásio?
Continuava com o firme propósito de estudar e escrever. Ao ouvir a cantiga do carro de bois, no ranger dos cocões na cantadeira do eixo, cujo eco se evadia pelo centro das matas, parava, olhava para trás e vislumbrava as marcas das rodas do carro nas estradas dos sertões..., dizia para si mesmo:
– O gemido do analfabetismo e operação da ignorância... Eu, um carreiro apaixonado!
Aos dezoito anos de idade (1953), Olímpio foi levado pelo seu pai para prestar exame de admissão, a pedido do prefeito municipal, para completar o número de alunos necessários para o funcionamento do ginásio. Afoito, balbuciava:
– Pela segunda vez, em um estabelecimento de ensino. Comecei de novo a estudar! Estou concretizando o início de meu ideal, que é escrever..., “um lugar no mapa”, lugar este que poucos conhecem – Orizona (...).
Ao ler o referido livro, desfilam em minha memória os anos de estudo, as pesquisas... Carrego comigo o desejo de aprender, conhecer na íntegra a História de Santa Cruz de Goiás, escrever para que seus filhos leiam. Tenho a mesma preocupação do escritor Olímpio Pereira Neto. Pergunto: “Santa Cruz de Goiás, onde você se esconde? Não a vejo refletida, não vejo nada de sua vida na história oficial de Goiás. Como conseguiremos escolas, trabalho se seus filhos influentes não a colocam entre os demais?”
Assim como a professora da escola rural chamou Olímpio de burro, também sou chamada de burra por “perder meu tempo” buscando vestígios de uma história.
Olímpio veio da roça, onde ouvia a cantiga do carro de bois; eu venho de um ambiente onde se ouvia a cantiga do carro de bois de meu avô Galileu, o violão, o bombardino, a caixa, o sax de meus tios e, atualmente, ouve-se a tagarelice das maritacas... Venho de um ambiente em que o imaginário popular enaltece Santa Cruz de Goiás e o real, desmerece.
“O escritor, ao falar de Orizona, destaca o papel de Santa Cruz de Goiás em seu livro Um lugar no mapa como antiga capital da Província goiana, na página 17, conforme estampamos abaixo:
Depois, na página 39 do referido livro, também destaca sobre as viagens na região e que a sede do governo “já se encontrava em Vila Boa”, depois de ter sido em Santa Cruz de Goiás:
Na antiga Vila, cabeça de Julgado mais importante da Província de Goiás, sua Capital administrativa, havia categorias socioeconômicas: proprietários de escravos, proprietários de terras, pequenos proprietários, criadores de gado, lavradores agregados e habitantes da vila. Era possível observar-se o progresso e desenvolvimento de uma sociedade que se fazia ciente de sua importância numa cidade que ganhava status diante das demais, mesmo a opulenta Meia Ponte, que em muitas situações disputava com Vila Boa a hegemonia do poder”. (Bento Alves Araujo Jayme Fleury Curado)
(Aparecida Teixeira de Fátima Paraguassú é historiadora, pesquisadora, musicista, poetisa, presidente da Assoc. dos Amigos de Santa Cruz de Goiás e da Comissão Goiana de Folclore. fatipar@hotmail.com).
* Texto publicado no Jornal Diário da Manhã On-line em 15/07/2012 por Fátima Paraguassú. Imagem: Ministério da Cultura/Anselmo de Lima. Todos os direitos reservados.
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